Partilhar as emoções dos outros pode deixar-nos doentes

É comum ouvir dizer que precisamos ter mais empatia – sim, mas em demasia, isso pode consumir-nos. Ensinamentos sobre o treino da mente – do budismo à psicopatia -, podem ajudar-nos a ser diligentes sem que nos deixemos consumir.
Por Emma Young | Simon Prades (ilustração)
in New Scientist | 11 de maio de 2016  Ver artigo original
Tania Singer não foi certamente a primeira pessoa a ligar um monge budista a um aparelho fMRI (imagens por ressonância magnética funcional). Mas enquanto os neurocientistas têm vindo a scanear o cérebro no sentido de descobrir de onde vem a empatia, Tania Singer procurou formas de como a evitar.
Não haverá muita gente a dizer que o mundo está amaldiçoado por um excesso de empatia. No entanto, começamos a descobrir que a nossa capacidade para partilhar as emoções de outras pessoas e ver através da sua perspectiva pode tornar-se num presente envenenado. Uma overdose de infortúnio de terceiros não é um problema que apenas diga respeito a profissões altamente expostas a este fenómeno, como a enfermagem. Todos somos vulneráveis a apanhar com a dor de outros, fazendo de nós seres mais irritados, infelizes e talvez até doentes.
Felizmente, trabalhar na localização da origem da empatia no cérebro conduziu também à descoberta de que, através de um treino adequado, podemos ser capazes de dosear o quanto vamos permitir ser afetados pelas emoções dos outros. Isto permitir-nos-á o melhor de dois mundos: preocuparmo-nos com os outros, mas sem deixar que isso nos consuma.
A empatia é, indiscutivelmente, uma coisa positiva. Compreender como o outro se está a sentir é um mecanismo de agregação que está a ser encontrado num número cada vez maior de animais, como golfinhos e ratos. Nos humanos, defendeu o primatólogo Frans de Waal, da Emory University, em Atlanta, EUA, o facto de sermos afetados pelo estado emocional de terceiros é o primeiro degrau na nossa evolução enquanto espécie colaborativa.
Porém, os inconvenientes são visíveis para qualquer um que já tenha estado numa sala repleta de bebés. Se um começar a chorar, rapidamente todos o acompanham. Os bebés não conseguem distinguir entre as suas próprias emoções e as que são sentidas pelos outros, pelo que o que um sente sentem todos. Emoções positivas e negativas espalham-se como vírus. À medida que o nosso sentido de “eu” se desenvolve, aprendemos a distinguir entre as nossas emoções e as emoções do outro, embora diferentes experiências mais recentes sobre o estudo do nosso comportamento nas redes sociais online indiquem que não estamos completamente fora de risco de contágio emocional (ver caixa “Socialmente contagioso”).
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Tal deve-se ao facto de que a distinção entre o que nós sentimos e o que os outros sentem não esteja perfeitamente claro no nosso cérebro. Tania Singer, então na University College London (UCL), e os seus colegas demonstraram isso mesmo em 2004 quando colocaram 16 casais dentro de uma máquina de ressonância magnética (IRM). Quando foi dado aos voluntários um doloroso choque eléctrico, tal suscitou atividade não só nas regiões do cérebro conhecidas por responderem à dor física, mas também nas regiões dirigidas à dor emocional. Porém, quando os voluntários viram o respectivo par receber um choque eléctrico, não foi registada qualquer atividade nos respectivos centros de dor física, enquanto que as regiões ligadas às emoções piscaram como fogos de artifício. Entre elas e com especial relevância, a ínsula anterior, local onde muita da coordenação entre cérebro e corpo tem lugar.
Desde então, muitos outros estudos confirmaram que esta rede de “empatia com a dor” não só existe como é incapaz de distinguir se a dor que se observa é de ordem física ou psicológica. “O princípio base é o mesmo”, diz Tania Singer, a trabalhar atualmente no Max Planck – Institut für Kognitions und Neurowissenschaften (instituto para a cognição humana e ciências do cérebro), em Leipzig, na Alemanha..
Mais, ao longo dos últimos anos constatou-se que não nos limitamos a “apanhar” dor daqueles que nos são próximos. Os primeiros sinais vieram dos profissionais de saúde, os quais estão frequentemente presentes ao stress e à dor de terceiros, como nos casos dos assistentes de lares para idosos, enfermeiras, psicoterapeutas ou pediatras. Desde o início dos anos 90, casos de esgotamento por empatia têm sido cada vez mais documentados, tendo recebido nomes como “stress traumático secundário (STS)” ou “trauma indireto”. Os sintomas incluem baixa capacidade para sentir empatia ou simpatia, aumento dos níveis de ira e ansiedade e aumento do absentismo (ver gráfico “The hurt locker”) . Vários estudos ligam estes sintomas a uma atitude de indiferença, despersonalização e perda de qualidade nos cuidados prestados aos doentes.
Não constitui surpresa que este esgotamento por empatia possa afetar as pessoas frequentemente rodeadas pela dor de terceiros. Porém, uma série de experiência recentes sugere agora que o lado negro da empatia lança o seu feitiço sobre todos nós. Podemos “apanhar” stress sempre que notamos e sentimos a dor de alguém, ativando a nossa rede de empatia com a dor.
Sobrecarga de empatia
Um lugar provável para isto acontecer é o local de trabalho: passamos oito a nove horas por dia com os nossos colegas, criamos relacionamentos que nos levam a empatizar com eles e a receber as suas angústias. Recentemente, algumas empresas como a Ochsner Health System, proprietária e administradora de hospitais e clínicas na Luisiana, EUA, começou a instituir zonas “stress-free” para limitar o contágio. “Desabafar não é produtivo”, disse Missy Hopson Sparks, vice-presidente da Ochsner. Como tal, a companhia designou zonas, incluindo pisos hospitalares, onde conversar e até sussurrar é proibido. Resultado: os índices de motivação aumentaram e esta norma é agora política de todo o grupo.
A investigação de Tania Singer indica que, em algumas pessoas, os efeitos a nível físico do contágio emocional são efetivos mesmo quando a observação é feita em desconhecidos em estado de angústia (ver caixa “Estranhos perigos”). Esta tese é apoiada em experiências onde, por exemplo, pessoas após observarem um telejornal com cerca de 15 minutos, mostraram de seguida um aumento de ansiedade, tendo esta apenas diminuído após um prolongado exercício de relaxamento.

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Para aqueles menos propensos à “angústia empática” poderá ser tentador descartá-la como um problema dos outros. Porém, isso constitui uma visão muito limitada, afirmou Olga Klimecki da Universidade de Genebra, Suíça. As pessoas que experienciam mais angústia empática no seu dia a dia, são as mais prováveis de se tornarem agressivas quando provocadas, “mesmo em relação a alguém inocente”, disse.
Esta tese é apoiada pelo trabalho de investigação de Michael Poulin, da State University of New York, publicado no ano passado, indicando que a empatia nos pode levar a agir de forma agressiva, particularmente quando observamos alguém de quem gostamos ser maltratado. Experienciar a angústia de uma pessoa em sofrimento como se fosse nossa é altamente aversivo e desagradável”, disse.
A ironia da questão está no facto dos efeitos de um excesso de empatia poder enfraquecer precisamente os motivos porque ela evoluiu em nós: cooperação e colaboração mutuamente benéfica. “Mesmo a curto prazo, a angústia transmitida via empatia conduz tanto a um desejo de fugir a uma situação de ajuda como a uma vontade para ajudar”, disse Poulin. A empatia, tão benéfica quando vivemos como caçadores-coletores, pode ser um estorvo num mundo moderno marcado pelo anonimato das grandes metrópoles e por conteúdos mediáticos sensacionalistas.
Se tal for verdade, podemos nós fazer alguma coisa para melhorar a situação? Talvez, disse Christian Keysers, do Instituto de Neurociência dos Países Baixos, Amesterdão, Holanda. “Tal como algumas pessoas controlam melhor as suas emoções, outras são melhores a controlar a empatia”, disse. O trabalho deste investigador sugere que nós não estamos irremediavelmente presos à quantidade de empatia com que nascemos, mas que podemos adotar procedimentos de terceiros.
Em 2014, Keysers e os seus colegas observaram como é que reagiam pessoas diagnosticadas com psicopatia, as quais são normalmente tidas como totalmente destituídas de capacidade de empatia, quando viam imagens de pessoas em sofrimento. Na primeira fase, foram apresentadas imagens sem quaisquer indicações sobre o que sentir. O cérebro destes voluntários mostrou, como era previsível, menos atividade nas áreas associadas à empatia com sensações e na ínsula, comparativamente com os cérebros de pessoas saudáveis.

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Porém, quando Keysers pediu ao grupo de voluntários com psicopatia para empatizarem de forma intencional, aconteceu algo muito diferente: a resposta dos seus cérebros era idêntica ao do grupo de controlo (Trends in Cognitive Science, vol 18, p 163). Por outras palavras, mesmo que o estado empático padrão esteja “desligado”, pode ser “ligado” por vontade própria. Esta experiência revelou-se surpreendente: parece evidente a existência de um espectro de empatia em todos os indivíduos.
Foi precisamente isso que levou Tania Singer a colocar Matthieu Ricar, um biólogo molecular e atualmente monge budista, num aparelho fMRI. As experiências neste campo têm vindo a mostrar que o treino a que os monges budistas se submetem dá-lhes uma capacidade muito acima da média para influenciar os circuitos neurais de empatia. Um dos primeiros estudos nesta área foi realizado por Richard Davidson na University of Wisconsin, em Madison, Estados Unidos. Foi pedido aos voluntários monges para permanecerem deitados nos aparelhos de fMRI enquanto ouviam sons como os de mulheres a gritar de dor. À medida que isto acontecia, Davidson pediu-lhes que se envolvessem numa prática de meditação com compaixão, conhecida como meditação do amor e gentileza, onde cada um é encorajado a alargar, gradualmente, o afeto e o carinho de si para os outros. Davidson verificou que este processo alterava o disparo dos circuitos neurais dos monges; suprimia atividade na ínsula anterior, a região do cérebro implicada nos ensaios prévios sobre empatia conduzidos por Tania Singer, e também na amígdala, região envolvida na detecção de ameaças mas “recrutada” durante respostas empáticas.
Nos seus últimos testes com Matthieu Ricard, Tania Singer pediu-lhe que este empatizasse com o sofrimento em vez de se envolver na compaixão, tal como tinha sido formado enquanto monge. De seguida, a sua empatia com a dor acendeu-se e, quase imediatamente, Ricard implorou-lhe que parasse a experiência, classificando esse sentimento de “insuportável”.
A nossa psico interior
Esta pista sobre olhar para o outro com compaixão em vez de empatia pode ser uma forma para melhor distinguir entre o “eu” e o “outro”, evitando assim o esgotamento por empatia. “A compaixão é um sentimento ‘para’ e não ‘com’ o outro”,  disse Matthieu Ricard. Juntamente com Olga Klimecki, entre outros, Tania Singer começou a testar esta ideia em gente comum. Após introduzir essas pessoas em práticas de compaixão, os seus cérebros responderam a vídeos de carácter negativo de forma muito semelhante à dos monges (Social Cognitive and Effective Neuroscience, vol 9, p 873). Este facto refletiu-se num aumento do bem-estar.
O trabalho de Tania Singer nesta área é fascinante, diz Antonia Hamilton, do Institute of Cognitive Neuroscience da University College London (UCL), “particularmente no que diz respeito à distinção entre compaixão e empatia”. Tania Singer e a sua equipa completaram recentemente o primeiro grande projeto para levar à prática os resultados desta pesquisa. A equipa recrutou 300 pessoas, algumas com profissões que os colocam entre os de maior risco de esgotamento por empatia, tendo sindo treinados com métodos alternativos à empatia, entre eles a compaixão.
Uma das participantes foi Irina Schroen, enfermeira na unidade de neonatal da Charité Universitätsmedizin Berlin, na Alemanha, cujo trabalho acabou por a afetar tão fortemente que ela esteve em vias de desistir da carreira. O treino de Tania Singer, disse Irina, salvou a sua vida profissional. “Os meus colegas estão novamente felizes por trabalharem comigo. Dizem-me: ‘É incrível como agora estás tão tranquila’”, acrescentou Irina Schroen.
Os resultados apenas serão publicados lá mais para o final deste ano, mas eles foram tão impressionantes que Tania Singer está neste momento a montar um centro para o ensino deste tipo de treino, aberto a todas as pessoas, contando já com 60 inscrições. Tania Singer espera que isso possa atrair mais pessoas como Irina Schroen a se afastarem da eminência de um esgotamento e, ainda, numa perspectiva mais alargada, ajudar as pessoas e as comunidades a lidar com conflitos de índole social, como os problemas resultantes de guerras e da chegada de refugiados.
Outros, em profissões de alto stress ou de alto rendimento, podem igualmente colher benefícios deste treino, disse Del Paulhus, que estudou traços de personalidade na University of British Columbia, no Canadá. “Demasiada empatia acabaria por minar o sucesso de um cirurgião, de um atleta de um desporto violento, de um advogado ou de um militar”, disse.
Este é um ponto a ter em mente, agora que a empatia consta firmemente da agenda política. O presidente norte-americano, Barack Obama, identificou um “défice de empatia” como um problema premente. Como aumentá-la é, atualmente, um tema quente; um estudo recente da Stanford University pareceu relacionar o treino de empatia para professores com alguns problemas disciplinares de estudantes. Investigadores na área do ensino e líderes empresariais nos Estados Unidos e no Reino Unido têm apelado para que a empatia seja ensinada nas escolas.
Em doses apropriadas, a empatia é, inegavelmente, um fator positivo, mas primeiro temos que ter em consideração os seus efeitos secundários antes de começarmos a prescrevê-la por atacado. “Não está de forma nenhuma claro que o mundo precise de mais empatia se isso significar experienciar o sofrimento de outra pessoa como se fosse seu. Fazê-lo, pode simplesmente duplicar o sofrimento do mundo”, disse Michael Poulin.
Tradução de Raul C. Gonçalves

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