Por Kathy Gilsinan | Mario Anzuoni/Reuters
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Em 1992, o neurocientista Richard Davidson foi desafiado pelo Dalai Lama. Na altura, este investigador norte-americano tinha dedicado toda a sua carreira a interrogar-se por que é que as pessoas respondiam às contrariedades da vida de forma diferente. Porquê, perante acontecimentos trágicos, alguns são mais resilientes do que outros? É a resiliência algo passível de se adquirir através do treino?
No entanto, quando Davidson visitou o líder espiritual do budismo tibetano na sua residência em Dharamsala, Índia, a questão que o Dalai Lama tinha para lhe colocar era outra. “Disse-me: ‘você tem usado os meios modernos da neurociência para estudar a depressão, a ansiedade e o medo. Por que é que não usa essas mesmas ferramentas para estudar o altruísmo e a compaixão?’… Uma pergunta para a qual não tinha, na altura, uma boa resposta. Respondi-lhe, simplesmente, que isso seria difícil.”
Na verdade, aquilo que o Dalai Lama pretendia saber era o que é que os meios modernos da neurociência poderiam revelar sobre o cérebro de pessoas que, nas palavras do dr. Davidson, “cultivavam o bem-estar (…), cultivavam qualidades da mente promotoras de uma perspectiva positiva.” Como resultado desse encontro, Davidson levou alguns monges budistas para o seu laboratório, ligou-lhes uma série de eléctrodos à cabeça e realizou ressonâncias magnéticas ao cérebro.
“A melhor forma de ativar circuitos de emoções positivas no cérebro é através da generosidade”, afirmou Davidson, fundador do Centro de Investigação para Mentes Saudáveis da Universidade de Wisconsin, Madison, durante uma conferência ocorrida no Festival de Ideias de Aspen. “Trata-se, na verdade, de um excitante achado científico na área da neurociência, porque na tradição contemplativa – assunto frequentemente abordado pelo Dalai Lama -, existem ‘pérolas de sabedoria’ que dizem que a melhor forma para se ser feliz é através da generosidade para com o outro. Um facto apoiado em evidências científicas que mostram a existência de alterações sistemáticas no cérebro associadas a actos de generosidade”.
Davidson e a sua equipa conduziram uma experiência em oito “praticantes budistas experientes”, todos eles com mais de 34.000 horas de treino mental. Foi-lhes pedido que alternassem entre um estado meditativo e um estado neutral por forma a observar alterações no cérebro. Um dos voluntários descreveu a sua prática de meditação como geradora “de um estado onde o amor e a compaixão se difundiam por toda a mente, sem qualquer outra consideração, raciocínio ou pensamento discursivo”.
“Quando realizamos a experiência, notámos uma coisa extraordinária”, disse Davidson. “O que vimos foi uma grande amplitude de oscilações gama no cérebro, indicador de plasticidade – o que significa que esses cérebros eram mais capazes de se alterarem e, teoricamente, de se tornarem mais resilientes. A investigação mostrou igualmente, através de ressonâncias magnéticas efetuadas, actividade na região do cérebro conhecida como ínsula anterior. “Cada neurocientista terá a sua parte preferida do cérebro”, refere Davidson. A ínsula anterior é uma das suas, por ser onde muita da coordenação mente-corpo tem lugar. Os sistemas cerebrais responsáveis pelo nosso bem-estar estão intimamente ligados a diferentes sistemas de órgãos, assim como aos sistemas imunológico e endócrino, de forma bastante relevante para a nossa saúde”, disse. Os exames imagiológicos mostraram que “a compaixão é um tipo de estado que envolve, de forma significativa, o corpo”. A título de exemplo: em um outro estudo, o dr. Davidson e equipa descobriram que a meditação aumentava a resposta imunológica a uma vacina da gripe (os voluntários, neste caso, não eram “profissionais” da meditação, mas pessoas que vinham de participar de um curso de 8 semanas de mindfulness. E, em 2013, Davidson e co-autores observaram que os participantes de um curto programa de treino da compaixão, mostravam um comportamento mais altruísta relativamente ao grupo de controlo.
O estudo do ‘cérebro budista’ tem-se multiplicado desde o primeiro encontro do dr. Davidson com o Dalai Lama. Porém, ainda hoje não é totalmente conhecido como é que a compaixão altera o cérebro, promovendo melhor saúde e melhor comportamento. As ondas gama e os registos de atividade da ínsula apenas nos contam sobre as ligações mente-corpo, e, por sua vez, sobre o que é necessário para projectar um melhor caminho. Segundo o dr. Davidson, a sua investigação sugere “que todos nós podemos tomar a responsabilidade pelo nosso cérebro”. E, nesse caso, o cultivar da própria responsabilidade pode ser, em si, um primeiro passo.
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Tradução para português por Mindmatters