Os partidários da meditação mindfulness defendem repetidamente o viver no momento, mas ser capaz de adiar as nossas recompensações para um tempo futuro também pode ser um ato importante de atenção plena.
Por Sharon Begley | Alessandro Gottardo (ilustração)
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Podemos vir a ser pessoas obesas, viciados em drogas (legais ou ilegais), falidos quando passarmos à reforma, viciados no jogo ou alcoólatras. E tudo isto só porque ‘não conseguimos resistir a comer todo o marshmallow agora’.
Há décadas que psicólogos e psiquiatras acenam com esse futuro sombrio em relação àqueles que escolhem a via da satisfação imediata em vez de uma certa graduação no tempo. A referência ao marshmallow prende-se com uma experiência realizada nos anos 70 pelo psicólogo Walter Mischel, na Universidade de Stanford, onde os investigadores convidaram crianças de 4 anos a entrarem, individualmente, numa sala onde lhe pediam para escolher um marshmallow e depois davam-lhe a seguinte opção: “Se quiseres, podes comer agora o teu doce. Mas se não o comeres até eu voltar, depois de ir ali fora fazer uma coisa, podes comer dois ou três”. As crianças melhores a adiar a satisfação do prazer mostraram, entre outros aspectos, ter mais sucesso escolar e maior inteligência emocional do que as outras. Este resultado acabou por ser generalizado, tornando-se num dogma da psicologia: de que a quantidade de ‘tendência para o imediatismo’ de cada um é essencialmente inata e imutável e que o ‘eu quero agora’ tem consequências como as que foram descritas.
Novas experiências e um novo olhar sobre ‘os clássicos’, estão a abalar este dogma, principalmente no que toca ao ‘imutável’ e à parte causal. Ao invés, “um corpo de novas evidências indicam que as escolhas intertemporais são maleáveis e que podem ser profundamente influenciadas pelo contexto”, argumenta a psicóloga Elizabeth Phelps, da Universidade de Nova Iorque, num artigo científico publicado em 2016. Só porque se escolheu um doce agora em vez de dois mais tarde, isso não significa que se esteja condenado à ‘tirania do agora’.
De uma forma geral, as pessoas que apenas valorizam ligeiramente menos recompensações futuras em relação às que podem obter no momento estão mais dispostas a fazer sacrifícios hoje para um melhor amanhã. Estudamos hoje (descartando convites de amigos para sair) para alcançar a recompensa de boas notas; poupamos hoje para termos dinheiro no futuro.
Ao contrário de como tem vindo a ser interpretada a experiência do marshmallow – de que o grau da nossa tendência para o imediato é inato -, os novos estudos mostram que ela depende do contexto, das opções disponíveis e de como elas são descritas, ou seja, por factores que estão para além do carácter. Isto significa que esse contexto pode ser trabalhado se precisarmos de ajuda para domesticar a tirania do agora.
O efeito decimal Uma dessas influências é o ‘efeito decimal’. As pessoas quando questionadas se preferem nove dólares hoje ou onze dólares dentro de uma semana em oposição a 8,44 dólares hoje ou 10,32 dólares sete dias depois, o mais provável é escolherem ficar com o dinheiro agora se a opção for entre números redondos. Ao não pedir tanta deliberação para processar números redondos, isso dá mais espaço à pessoa para se focar na questão do adiamento. Para quem precisar de um incentivo para poupar dinheiro, coloque, por exemplo, a questão desta forma: 219,66 dólares hoje ou 377,92 dólares (números não redondos) no futuro – talvez isso consiga distrair suficientemente a nossa atenção da questão hoje/amanhã para nos focarmos na questão menos dinheiro/mais dinheiro.
O efeito magnitude Há depois o ‘efeito magnitude’, no qual montantes mais elevados reduzem a tirania do agora. Mesmo as pessoas com um autocontrolo e uma habilidade máximos para adiar prazeres preferem 20 dólares hoje do que 30 dólares seis meses mais tarde – estes dez dólares não parecem ser um incentivo suficiente grande que justifique um adiamento de meio ano para ir almoçar ‘à borla’ uma vez . No entanto, estaríamos disponíveis a adiar um prémio de mil dólares em favor de um outro de 1500 dólares, embora o incentivo seja na mesma de 50%. Contrariamente ao que muitos investigadores assumiram, as pessoas consideram o custo absoluto da espera e não o relativo. Isto é, aqueles que foram classificados a partir de testes laboratoriais como tendo uma forte predisposição para o imediatismo poderiam não tê-la se a recompensa fosse maior.
Do mesmo modo, imaginar formas específicas de gastar futuras recompensas – de forma mais literal, se se tratar de dinheiro poupado ou investido, ou, simbolicamente, se a recompensa estiver ligada à educação ou à saúde – faz com que as pessoas fiquem mais predispostas a renunciar a uma satisfação imediata. Em vez de se dizer, por exemplo: “vou ter 57.485 dólares quando me reformar”, pense-se antes numa utilização específica desse dinheiro, pense-se até em pequenos detalhes como ter “65 dólares para jantar fora todas as semanas”; ou dizer para si mesmo que vai recolher esse prémio numa data específica, como, por exemplo: 6 de abril de 2039 e não “daqui a 22 anos” – somos melhores a imaginar o futuro numa data concreta.
Outro truque é tornar explícito o valor ‘zero dólares’ no futuro. Diga para si que a escolha é entre gastar 1.075 dólares hoje num computador portátil e ter zero dólares daí a 30 dias ou ter zero dólares hoje mas 1.176 dólares dentro de poucos meses (assumindo que escolheu um bom fundo de investimento). Tornar o número zero num valor explícito futuro leva a uma maior vontade de adiar as nossas ‘extravagâncias’ imediatas. Faz-nos, explica Elizabeth Phelps, “estar mais focados nas consequências desagradáveis futuras derivadas de uma escolha pelo prémio imediato.”
Algumas destas formas de pensar parece o tipo de coisas capaz de ser estimulado pelo mindfulness. Um estudo de 2014 da Universidade Estadual de Utah descobriu que esse tipo de prática (sessões de 60-90 minutos) reduziam a tirania do agora, deixando as pessoas dispostas a aceitar menos agora para adiarem a premiação. O que pode parecer surpreendente, uma vez que a meditação mindfulness coloca o foco no tempo presente e na observação, sem julgamentos, dos pensamentos e emoções que vão passando pela mente. No entanto, com a prática, esta meditação pode nos levar a valorizar mais o futuro.
Quando causa e efeito ficam fora de controlo As razões porque apresentei alguns exemplos de como certos enquadramentos podem afetar a nossa tendência para o imediatismo prende-se não apenas por questões de auto-ajuda, mas também para realçar como muitos estudos conduzidos em laboratório, os quais quase nunca tiveram em consideração coisas como os efeitos decimal e de magnitude, rotularam injustamente de falhados e destinaram possivelmente ao fracasso pessoas que não o estavam. E, pior ainda, esse campo interpretou de forma errada um detalhe fundamental: o que é causa, o que é efeito e se a tirania do agora explica todos os males que lhe costumam ser imputados. Vejamos um par de exemplos:
– Num estudo, considerado um clássico da psicologia, de 1998, os investigadores compararam o horizonte temporal de 34 heroinómanos com o de 59 voluntários saudáveis. Estes últimos perspetivavam os acontecimentos futuros 4,7 anos à frente, enquanto que o grupo dependente de heroína apenas previam nove dias, descobriu o psicólogo Warren Bickel da Virginia Tech, que defendeu que esta “diminuta visão de futuro” explicava as decisões das pessoas com adição: se apenas nos preocupamos com os próximos nove dias, é claro que não vamos conseguir considerar as consequência a longo prazo da adição.
– As pessoas com menos instrução e menor rendimento têm a tendência para desvalorizar as recompensações futuras, em comparação com aquelas que ocupam uma posição mais elevada na escala socioeconómica. Isto leva à crença de que a sua tendência para o imediato é a causa do seu insucesso – brincam, mimam-se, perdem tempo e dinheiro, divertem-se em vez de estudar ou de se empenharem em arranjar emprego e de pouparem para o futuro.
Mas o que é que está errado neste quadro? Por ordem inversa, não é preciso ter uma grande imaginação para se suspeitar que o horizonte limitado das pessoas em estado de pobreza não é a causa, mas o efeito, dessa mesma pobreza, sendo que o comportamento dos que sofrem de dependência de drogas era perfeitamente racional em relação a pessoas que não tinham futuro. Quanto mais incerto é o resultado prometido decorrente de um comportamento, menor é a motivação para prosseguir tal comportamento, disse Bickel. Num mundo caracterizado pelo risco e pela incerteza, acrescenta ele, “a estratégia mais realista pode ser a de considerar apenas as consequências imediatas de um comportamento.”
A ciência da escolha intemporal tem sido demasiado apressada na condenação daqueles que não seguem a regra-padrão da classe média de adiar as recompensas de hoje para obter outras melhores amanhã. Mas quando sentimos que são forças para além do nosso controlo que determinam o nosso destino, então faz pouco sentido fazer sacrifícios para um amanhã se não houver indícios da recompensa prometida. Mas, por outro lado, mesmo que sejamos parte do grupo dos socioeconomicamente privilegiados e tivermos muita vontade de ‘marshmallows, já’, tal não significa (necessariamente) que estejamos amaldiçoados para o resto da vida.
Tradução para português por Mindmatters