Mark Williams vai estar no parlamento para explicar aos deputados como a meditação pode fazer aumentar radicalmente o bem-estar e a produtividade dos britânicos.
Por Robert Booth in The Guardian | 20 de outubro de 2015
O salão Attlee no parlamento vai estar em silêncio na próxima terça-feira para ouvir um dos mais importantes professores de meditação do país explicar os princípios básicos de uma tradição com 2.400 anos: o mindfulness. As explicações do professor Mark Williams sobre como controlar e avaliar a respiração, os pensamentos e as emoções vai anteceder a chamada do grupo multipartidário parlamentar para implementar a meditação baseada em mindfulness no sector público numa proposta com vista a melhorar a saúde mental e os sistemas de educação e de justiça criminal do país.
Após um inquérito que se prolongou por um ano, o grupo parlamentar interpartidário (APPG – all party parliamentary group) de mindfulness chegou à conclusão de que cursos seculares de meditação deverão ser disponibilizados a 580 mil pessoas que sofrem de recaídas recorrentes de depressão, com um custo inicial de 10 milhões de libras; o Estado deverá dar formação a 1.200 novos professores de meditação e desenvolver o ensino de mindfulness nas escolas, de acordo com as evidências apuradas de que a sua prática reduz os casos de mau comportamento e pode melhorar os resultados académicos ao nível do ensino secundário (GCSE – General Certificate of Secundary Education). É igualmente pretendido que prisões e serviços de liberdade condicional testem programas no sentido de diminuir a taxa de reincidência.
As conclusões dos legisladores representa um novo pico de popularidade nesta prática, a qual foi adaptada do budismo há 40 anos atrás por Jon Kabat-Zinn, professor emérito de medicina da escola médica da Universitdade de Massachussets. Entre alegações de que a prática pode ajudar a combater a ansiedade e as recaídas de depressão, cerca de 2.200 pessoas foram formadas como professores de mindfulness no Reino Unido, número suficiente para ensinar atualmente 200 mil pessoas por ano. Existem hoje mais de 700 mil utilizadores do Headspace, uma app para smartphone para ajudar as pessoas a meditar. Grandes empresas como a Google, a BBC e a Tata estão a contratar professores para ajudar os seus funcionários, enquanto 115 membros do parlamento e pares levaram a cabo um curso de oito semanas de terapia cognitiva baseada em mindfulness (MBCT, sigla em inglês).
Mas à medida que o entusiasmo cresce, crescem também os avisos de precaução. Existe o receio de que um “boom” do entusiasmo das grandes empresas pela prática possa levar a um uso abusivo do mindfulness com vista a aumentar lucros, ao mesmo tempo que a investigação científica decorre sobre possíveis “invulgares, desagradáveis ou inesperados efeitos” da meditação.
Onde é mais evidente o impacto do mindfulness é na prevenção da depressão. Pessoas com três ou mais casos de episódios de depressão vêm o risco de uma recaída baixar em cerda de metade depois de um programa de MBCT, conforme mostra uma análise comparada sobre seis ensaios aleatórios controlados. De acordo com o relatório sobre 114 estudos diferentes – citado pelos parlamentares -, foram verificadas melhoras consistentes ao nível da saúde mental em pacientes com cancro, após a prática de mindfulness.
Enquanto o MBCT já foi aprovado pelo Instituto Nacional de Excelência Clínica (NICE, em inglês), instituição pública, e a grande maioria dos clínicos gerais (72%) pretende encaminhar pacientes para estes cursos, o APPG descobriu que apenas 20% têm acesso a essa formação. A MBCT deverá estar à disposição de 87 mil pessoas por ano que sofrem de depressão recorrente até 2020, número que corresponde a 15% do total, segundo os parlamentares.
O grupo também deseja que o Departamento de Educação designe três escolas como pioneiras para o ensino de mindfulness e estabeleceu um fundo no valor de um milhão de libras destinado à formação de professores. Segundo as suas estimativas, cerca de uma em cada dez crianças, com idades compreendidas entre os cinco e os dezasseis anos, já experimentaram algum tipo de problema de saúde mental e afirmaram que os adolescentes com problemas de saúde mental mais graves – aqueles que estão a ser tratados em ambulatório psiquiátrico – são os que têm mais a ganhar com os cursos de redução de stress baseado em mindfulness em termos de redução da depressão e da ansiedade, melhor qualidade do sono e aumento da autoestima.
Jon Kabat-Zinn afirmou que “as ramificações deste relatório no Reino Unido serão profundamente benéficas. Elas serão dirigidas à raiz de alguns dos problemas mais prementes da sociedade – ao nível da mente e do coração humano”.
Uma empresa, a Mindfulness at Work, ensinou 10 mil pessoas durante o ano passado, quatro vezes mais do que no ano anterior. Conta com 25 instrutores e os seus clientes incluem a Goldman Sachs, JP Morgan, Pfizer e American Express. Louise Chester, fundadora da empresa, afirmou que a sua organização nunca prestaria serviços a um cliente cujo objetivo fosse o de aumentar os lucros. “Se nos cheirar que o que uma empresa pretende é espremer os empregados nós não trabalharemos ali. Isso nunca nos aconteceu. Os nossos clientes vêm até nós movidos por sentimentos de compaixão”, declarou a executiva.
Mas o APPG e outros grupos de trabalho continuam preocupados sobre possíveis abusos em relação ao mindfulness no sector privado. “Um grande número de companhias e de consultoras estão a aparecer a oferecer formação em mindfulness, algumas com muito pouca experiência ou qualificações para o fazer”, alerta o relatório. “Tem havido críticas sobre o mindfulness estar a ser usado para respaldar organizações disfuncionais e carga horárias inadequadas”.
O sindicalista Hugh Robertson, líder do Trades Union Congress (TUC), diz sobre o assunto: “os programas sobre bem-estar não devem ser usados como uma desculpa para evitar a resolução dos factores de conflito nos locais de trabalho” e acrescentou que a investigação em curso apresentava “efeitos invulgares, desagradáveis e inesperados” da terapia mindfulness, inclusive de, em alguns casos raros, poder despoletar surtos em pacientes com predisposição psicótica.
Florian Ruths, psiquiatra no South London and Maudsley NHS Foundation Trust (SLaM), tem vindo a recolher dados de pacientes, a maior parte deles com problemas do foro mental, a quem lhes foi aconselhado o programa MBCT. Efeitos negativos são raros, diz ele.
A maior parte dos efeitos secundários são inócuos, porém podem perturbar o paciente no caso deste pensar que algo fora do comum está a acontecer com ele”, explica. “Pode ocorrer a pessoa experienciar através do olhar da sua mente que o seu corpo está a adquirir uma forma estranha ou que de repente é muito pequeno. Pode dar-se um aumento da intensidade das emoções.
“Sabemos que as pessoas podem sentir-se um pouco em baixo quando se começam a focar nos seus pensamentos. É uma situação não muito frequente e normalmente melhora depois de alguns minutos. Queremos tornar esses efeitos acessíveis à ciência, investigá-los e instruir as pessoas a lidar com eles”.