Ensinar generosidade no curriculum escolar

Por Laura Pinger & Lisa Flook
in Greater Goog | 1 de fevereiro de 2016  ver artigo original
Um dia, na ida para a escola, uma de nós (Laura) viu um dos seus alunos a chorar enquanto esperava a chegada da mãe – ele tinha partido o queixo a brincar. Quando a Laura chegou à sala, as outras crianças estavam muito inquietas e assustadas em relação ao seu amigo, todos elas cheias de perguntas sobre o que iria acontecer com ele. Laura decidiu perguntar à aula como é que eles poderiam ajudá-lo.
“Prática da generosidade!”, exclamou um deles, e sentaram-se todos em círculo desejando as suas melhoras. Logo de seguida os miúdos sossegaram e continuaram a lição. Eis o que acontece quando as crianças aprendem a ser amistosas na escola.
Vários programas de mindfulness têm sido desenvolvidos para adultos, mas nós e os nossos colegas do Center for Healthy Minds da Universidade de Wisconsin, Madison, queríamos desenvolver um curriculum para crianças. Todas as escolas ensinam aritmética e leitura, mas… e quanto a mindfulness e generosidade?
Acabamos por construir um curriculum de 12 semanas direcionado a seis escolas do Midwest. Duas vezes por semana, durante 20 minutos, foram introduzidas histórias e práticas de prestar atenção a estas crianças do pré-escolar, regulando as suas emoções e cultivando a generosidade. Estamos ainda no princípio, mas os primeiros resultados da nossa investigação, conduzida em conjunto com o professor Richard Davidson e o seu assistente Simon Goldberg, sugerem que este programa pode fazer melhorar as notas das crianças e as suas capacidades cognitivas e de relacionamento.
Porque ensinar generosidade às crianças?
O ambiente escolar pode ser causador de muito stress; para além de um eventual problema que os miúdos possam trazer de casa, eles procuram ativamente fazer amizades e terem também um bom desempenho escolar. Ser posto de parte, ignorado ou “gozado” é algo sempre muito doloroso para uma criança; o seu impacto é tão forte que pensamos poder ser aproveitado para ensinar o valor da empatia e da compaixão.
Quando uma outra criança está a sofrer – como no caso daquele miúdo que partiu o queixo – conseguimos perceber como é que ele se está a sentir? A generosidade faz essa ponte, ao mesmo tempo que ajuda a dar um sentido de ligação entre os alunos, os professores e, até mesmo, os encarregados de educação. Aprender a como fortalecer a atenção e a regular as emoções são recursos fundamentais capazes de beneficiar as crianças não apenas na escola mas ao longo da vida.
E mais, ter salas de aulas cheias de mindful e de crianças generosas altera todo o ambiente escolar. Imagine-se escolas inteiras – bairros inteiros – onde seja realçada a generosidade. Tratar-se-ia de algo verdadeiramente poderoso. Ensinar generosidade é uma forma de levar a cabo transformações que não requerem grandes mudanças de política escolar ou grandes meios administrativos.
Aplicar um curriculum de generosidade
Quem já tiver visitado uma das nossas turmas durante o programa de 12 semanas, deve ter reparado num cartaz na parede chamado “Jardim da Generosidade”. Quando uma criança tem ou recebe um ato de generosidade ela coloca um cartão adesivo no cartaz. A ideia que está por detrás é que a amizade é como uma semente – tem que ser nutrida e alvo de cuidados para que germine. Através deste exercício, temos alunos a falar sobre como a generosidade sabe bem e como podemos fazer crescer mais amizade na sala de aulas.
Num destes dias, era possível ver alunos agrupados em pares segurando “Varinhas da Paz”, uma com um coração, outra com uma estrela. A criança com uma varinha com coração fala (“a partir do coração”); a outra com a estrela escuta e depois repete tudo o que foi dito. Quando aconteceu um desentendimento entre alunos, eles usaram as varinhas como suporte do processo de prestar atenção, dando expressão aos seus sentimentos e construindo empatia.
O nosso Curriculum da Generosidade combina atividades criativas como esta, assim como livros, canções e movimento, como forma de comunicar conceitos de uma maneira compreensível para crianças na faixa etária dos quatro anos. Os nossos instrutores ensinam o curriculum com uma participação ativa dos professores de cada turma.
O Curriculum da Generosidade foi desenhado à volta do conceito ABC ou, mais especificamente, de A a G:
  • Attencion (atenção). Os alunos aprendem que aquilo em que eles se focam é uma escolha. Através do focar da atenção numa variedade de sensações externas (o som de uma campainha, a forma de uma pedra) e de sensações internas (sentir-se feliz ou triste), as crianças aprendem que podem direcionar a sua atenção e manter o seu foco.
  • Breath and Body (respiração e corpo). Os alunos aprendem a utilizar a sua respiração para cultivar paz e tranquilidade. Em vez de ouvirmos uma meditação, colocamos a canção Breathing In, Breathing Out do CD de Betsy Rose, Calm Down Boogie, enquanto as crianças descansam deitadas de costas com um peluche “Beanie Babie” sobre a barriga. O peluche fornece o objeto a embalar, através do movimento natural da inspiração e expiração, ao mesmo tempo que a respiração acalma o corpo.
  • Caring (afeição). Aqui ensinamos as crianças a pensar como é que os outros se estão a sentir e a cultivar generosidade. Fazemos a leitura do livro Sumi’s First Day of School Ever, a história de um aluno estrangeiro que se debate com o inglês e lança ideias de como ajudar um aluno como Sumi – às vezes é tão simples quanto oferecer um sorriso.
  • Depending on other people (depender de outros). Realçamos que todos ajudam e são ajudados por outros, através da leitura do livro Somewhere Today, o qual relata atos de generosidade que estão a acontecer no mundo de hoje. Os alunos aprendem a verem-se a si mesmo como alguém que ajuda, começando a desenvolver um sentido de gratidão pela generosidade do outro.
  • Emotions (emoções). Como são e como se parecem as emoções? Como é que se pode expressar o que se está a sentir? Fazemos um jogo onde professor e alunos, à vez, fingem estar zangados, tristes, felizes ou surpresos, adivinhando que emoção foi expressa e explicando como é que ela se faz sentir no corpo.
  • Forgiveness (misericórdia). As crianças podem ser particularmente duras consigo – e com os outros – e nós ensinamos-lhe que todos podem cometer erros. Um livro de nome Down the Road conta a história de uma menina que quebra os ovos que ela comprou para os seus pais e que é desculpada por eles.
  • Gratitude (gratidão). Pretende-se que as crianças saibam reconhecer os atos de generosidade dos outros para com elas; assim, elas teatrisam profissões diretamente ligadas à comunidade, como motorista de autocarro ou bombeiro. No seguimento, as crianças falam sobre o ser-se grato para com aqueles que nos ajudam.
Sessenta e oito alunos participaram do estudo, com metade a seguir o Curriculum da Generosidade e a outra metade no grupo de controlo. Para investigar o impacto do curriculum, fizemos testes às crianças antes e após o período de treino.
Os resultados apresentados pelo nosso estudo revelaram-se promissores. Os alunos que estiveram envolvidos no curriculum mostraram mais empatia e generosidade e uma maior habilidade para conseguirem se acalmar quando algo os incomodava, segundo a avaliação dos professores. Durante um exercício com autocolantes, cerca de metade das crianças envolvidas no curriculum usaram a partilha de forma consistente, enquanto que as do grupo de controlo foram partilhando cada vez menos. No final do ano escolar, os primeiros obtiveram melhores notas nalgumas áreas – principalmente no desenvolvimento social e emocional – e mostraram evolução nas áreas do pensamento flexível e da recompensa diferida.
Este foi um estudo pequeno, mas gostaríamos imenso de ver, no futuro, investigações mais aprofundadas do nosso Curriculum da Generosidade. Como, por exemplo, qual seria o resultado a um prazo mais dilatado se implementássemos esta prática ao longo de todo o ano escolar e seguintes? E se os encarregados de educação fossem envolvidos no curriculum, acreditamos que eles poderiam dar também um grande contributo.
“Generosofulness” no quotidiano
Mindfulness e generosidade caminham lado a lado, tanto quanto a palavra “generosofulness” despontou acidentalmente (mas adequadamente) durante uma das nossas conversas e colou. Enquanto administramos um curriculum específico tendo em vista o nosso estudo, qualquer professor ou pai pode trazer os princípios subjacentes que suportem a sua interação com as crianças.
O primeiro ponto trata-se simplesmente de modelar mindfulness e “generosofulness”. Como, por exemplo, que qualidade de atenção levamos quando interagimos com as nossas crianças? Damos toda a nossa atenção – contacto visual, baixar para falar com elas, fazer perguntas – ou, pelo contrário, agimos distraidamente? As crianças são seres extraordinariamente observadores que captam se estamos ou não a dar-lhes atenção. Através de um modelo de comportamento e da nossa interação, mostramos-lhes como é ser notado, como é ser ouvido e como é ter compaixão com os outros.
Uma outra atividade bem simples é relaxar e sentir a respiração fluir de uma forma natural, durante alguns momentos ao longo do dia. É claro que as crianças precisam ser ativas, de  correr e de pular, mas também lhes faz bem cultivarem um pouco de quietude. Quando a Laura entra na sala de aulas, por exemplo, ela ou um dos seus alunos tocam a campainha, o que sinaliza que os alunos devem escutar até o som terminar e depois fazerem cinco respirações completas em conjunto. Esta prática serena os alunos e capta-lhes a atenção de forma a estarem mais prontos a aprender.
Podemos igualmente ajudar as crianças a refletir nas suas emoções, que por vezes podem parecer tremendas, mudando o seu relacionamento com elas. Após a criança se acalmar, podemos sentar com ela e refletir nesse sentimento. Que parte do corpo se sentiu irritado, feliz ou preocupado? Todas as emoções são naturais, pelo que as crianças não se devem sentir culpadas por as sentirem; nós podemos ensiná-las a cultivar uma atitude mais generosa. Por exemplo, um pai pode dizer: “Quando me sinto triste ou zangado, o meu corpo não se sente bem. Mas toda a gente tem emoções. As emoções ajudam-nos a aprender sobre nós e os outros. Eu posso ser gentil comigo independentemente das emoções que apareçam. Posso ficar cada vez melhor ao aprender com as minhas emoções.”
E, a propósito, este tipo de práticas são igualmente úteis para os pais e professores, os quais se debatem com trabalhos stressantes e salas de aulas agitadas. Para os professores, pequenas práticas com os alunos várias vezes ao dia durante o período escolar permite que todos parem e estejam totalmente presentes a si próprios, uns aos outros e àquilo que se apresenta, seja a situação agradável ou não. Para os pais, o treino de mindfulness e autogenerosidade permite-lhes ser mais presentes com os respectivos companheiros e filhos em casa e com os colegas no local de trabalho.
Finalmente, para combinar os conceitos de mindfulness e bondade, podemos ensinar práticas de generosidade às nossas crianças. Este tipo de frases funciona bem com elas: “Possa eu estar seguro, possa eu ser feliz, possa eu ter saúde, possa eu estar em paz.”
Quando aquele rapazinho partiu o queixo, as outras crianças de apenas quatro anos de idade reuniram-se nesta prática: “Possas tu estar seguro, possas tu ser feliz, possas tu ter saúde, possas tu estar em paz.”
E estes desejos podem ainda ser alargados: “A toda a minha turma, à minha escola, ao meu bairro, a toda à minha comunidade… Possamos todos estar seguros, possamos todos ser felizes, possamos todos ter saúde, possamos todos estar em paz.”
No meio de toda a sua angústia, as crianças encontraram conforto e apoio, para elas e para os seus amigos, em vez de se sentirem tristes e angustiadas; e, mais tarde, compartilharam com o amigo que lhe tinham oferecido estes desejos. São estas pequenas mudanças, espalhadas por todas as salas de aulas, que podem fazer da escola um local mais generoso e educar uma nova geração de cidadãos mais conectados e compassivos.
Tradução Raul C. Gonçalves

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