Presos mais perigosos da Grã-Bretanha recebem aulas de meditação
Cerca de 60 presos mantidos em unidades de confinamento solitário vão receber aulas de mindfulness numa tentativa para controlar os seus impulsos violentos
Por Robert Booth | Ethel Feldman (ilustração) in The Guardian | 19 de outubro de 2015
Funcionários prisionais vão ensinar meditação aos reclusos mais perigosos da Grã-Bretanha numa tentativa de ajudar à sua reabilitação e à superação dos seus impulsos violentos.
Cerca de 60 dos homens mais violentos mantidos em confinamento solitário nos oito estabelecimentos prisionais de alta segurança vão receber aulas individuais ministradas por psicólogos e guardas prisionais, soube o “The Guardian”.
Um preso do estabelecimento prisional de Wakefield, mantido no centro de vigilância máxima (CSC – close supervision centre), o mesmo onde se encontra detido Charles Bronson (n.d.t.: detido desde 1974 por assalto à mão armada e tomada de reféns, Bronson é frequentemente referido na imprensa britânica como o “prisioneiro mais violento da Grã-Bretanha”), é o primeiro a fazer um curso de Redução de Stress Baseado em Mindfulness (MBCT, sigla em inglês), um programa baseado na meditação tradicional budista, com cerca de 2400 anos.
Este passo representa uma aposta ambiciosa numa nova fronteira na aplicação desta técnica, a qual já está implantada no serviço nacional de saúde britânico (NHS, sigla em inglês) no tratamento da depressão, ao mesmo tempo que está a ganhar importância nas escolas visando ajudar os alunos ao nível da concentração e como regulador emocional.
Os detidos em centros de vigilância máxima encontram-se neste regime por assassinato, tentativa de assassinato, tomada de reféns ou outros crimes graves perpetrados já enquanto reclusos e são colocados em isolamento como proteção dos outros presos. Entre eles contam-se o duplo homicida Mark Robinson, o qual no ano passado enviou para o hospital cinco guardas prisionais após desacatos por causa da sua ração de pão, e Lee Foye, condenado pela morte da sua companheira e mandado para o CSC após assassinar um detido pedófilo. Uma vez lá preso, Lee decepou uma das suas orelhas com uma lâmina de barbear e, três meses depois, arrancou a outra.
“A ideia é incorporar o mindfulness como parte do regime diário dos nossos centros de vigilância máxima”, diz Mark Campion, diretor estratégico para o bem-estar dos serviços prisionais do grupo de prisões de alta segurança.
“Existem oito prisões de alta segurança e o mindfulness vai estar presente em todas elas, sendo um dos passos da terapia para reclusos. Alguns não vão querer participar e não se pode obrigar as pessoas a praticar mindfulness. O critério de escolha será baseado na necessidade, de acordo com a vontade do prisioneiro e a avaliação do psicólogo da prisão.”
Os cursos de mindfulness são normalmente ensinados em grupo, mas dado o perfil perigoso dos reclusos dos centros de confinamento solitário as aulas serão dadas individualmente. Os cursos estarão disponíveis nas prisões de Woodhill (perto de Milton Keynes), Whitmoor, (Cambridgeshire), Manchester, Full Sutton (perto de York) e Wakefield.
Não existe à data qualquer prova científica sobre a eficácia desta técnica num contexto tão extremo; porém, vários estudos mostraram que ela é capaz de prevenir recaídas nos casos de depressão e ansiedade numa população mais vasta. Alguns indícios sugerem que o mindfulness pode ajudar em casos de pessoas já condenadas ou em liberdade condicional a lidarem com pensamentos causadores de stress, ansiedade e impulsos violentos.
A iniciativa resultou de um apelo levado a cabo por um comité interpartidário do Parlamento Britânico na passada terça-feira no sentido de um maior apoio do Estado ao mindfulness como “uma importante inovação no campo da saúde mental a qual justifica uma atenção séria”.
No seguimento de um inquérito levado a cabo durante um ano, o grupo interpartidário sobre mindfulness informou o governo que a situação era “decepcionante dado a falta de recursos em todo o país no financiamento deste tratamento custo-eficiente. O relatório apelou igualmente ao National Offender Management Service, entidade responsável pelo funcionamento das políticas de prisão e liberdade condicional, a implementar cursos de mindfulness para infratores vítimas de depressão recorrente.
O curso no centro de vigilância máxima da prisão de Wakefield está a ser orientado pela psicólogo da instituição e por um guarda prisional com formação de professor de mindfulness.
O inspetor-chefe das prisões, Nick Hardwick, declarou neste verão que os reclusos dos centros de vigilância máxima consideravam as celas tão claustrofóbicas e isoladas “como um submarino”. Um recluso declarou aos inspetores: “tudo o que eu vejo são muros de cimento e céu cinzento. Não vejo qualquer erva nem nada que se pareça.”
O passo que levou à introdução do mindfulness num ambiente tão difícil resultou do êxito que constitui o curso de oito semanas de mindfulness dirigido a 15 homens condenados por crimes relacionados com toxicodependência e alcoolismo na prisão de Manchester. Aconteceram igualmente experiências-piloto de meditação nas prisões de Guys Marsh, Dumfries e nos estabelecimentos de reinserção social para jovens em Cookham Wood (Kent) e Polmont, na Escócia.
O ministro da Justiça disse estar a seguir com interesse as várias iniciativas em curso, mas afirmou que não existia uma política a nível nacional de implementação do mindfulness no sistema prisional.
Ruth Mann, responsável pela área da reabilitação nos serviços correcionais (NOMS – National Offender Management Service) disse, referindo-se ao grupo de prisões de alta segurança: “Recentes resultados sugerem que o mindfulness pode impactar em factores relacionados com a reincidência, pelo que queremos testar se isso poderá melhorar os resultados em relação a determinados grupos de infratores.” E concluiu: “A terapia cognitiva baseada em mindfulness tem demonstrado ser bastante eficaz entre indivíduos vítimas de abuso na infância. Uma vez que 41% da população prisional afirmou ter sido vítima de violência doméstica e 29% de abuso sexual e maus tratos em criança, o mindfulness poderá ter um impacto significativo entre este grupo com uma alta taxa de reincidência no primeiro ano.