O poder curativo do mindfulness

Barry Boyce reuniu um painel de notáveis para discutir os benefícios do mindfulness na saúde: o que faz, como faz e porque é que dá resultado.

Por Barry Boyce
in Mindful magazine | 28 de fevereiro de 2011
Quando pensamos em mindfulness e em meditação, as duas palavras invocam imagens de um tempo de privacidade e calma, de tranquilidade e paz; quando pensamos em hospitais e consultórios médicos, vem-nos à mente ansiedade, dor, caos que lá possamos ter experienciado, e presumimos que o mindfulness não tem lugar nos serviços de saúde. Mas alguns dos mais destacados profissionais dos cuidados de saúde querem mudar isso.
Porque testemunharam as provas de que o mindfulness é profundamente curativo, eles estão a levá-lo para dentro do sistema americano de cuidados de saúde, desde a prevenção, diagnóstico e tratamento, à cura, aos cuidados paliativos e até à administração de saúde e formação médica. Com a ajuda de Susan G. Komen, da “Cure”, a maior rede internacional de sobreviventes do cancro da mama e ativistas e patrocinadores da “Linn Lectures on integrative medicine”, reunimos três dos maiores especialistas internacionais sobre o poder curativo do mindfulness e dos benefícios da medicina integrada para um debate sobre o presente e o futuro da medicina mente-corpo.
Quais são alguns dos benefícios do mindfulness – quer do ponto de vista da prática como do estado da mente – para a nossa saúde e cura?
Jon Kabat-Zinn: Estar em comunhão com aquilo por que se está a passar, observar e, num certo sentido, ser amigo, é precisamente aí que reside o poder curativo e transformador da prática de mindfulness. Quando conseguimos estar, de facto, onde estamos – sem tentarmos encontrar um outro estado de espírito -, descobrimos profundas capacidades interiores que podemos utilizar. Conviver com as coisas como elas são é a minha definição de cura.
Valorizar este tipo de consciência pode ter um efeito imediato na saúde e bem-estar. Por mais estranho que possa parecer, é possível dar amizade à dor – em vez de se achar que não se vai a lado nenhum até que esse incómodo seja estripado, vedado ou eliminado. Esta é verdadeiramente uma profunda compreensão a alcançar. É muito curativo perceber – mesmo que apenas por um momento, episodicamente -, de que é possível ter um relacionamento mais sábio com a nossa experiência interior, em vez de se andar à deriva entre o “gosto” e “odeio”.
Costumamos dizer aos nossos pacientes que frequentam o Programa de Redução de Stress Baseado em Mindfulness que, independentemente do seu diagnóstico, eles têm mais coisas certas do que erradas. Vamos verter energia naquilo que está certo e aguardar o resultado. Constitui uma grande e compensadora aventura observar as pessoas a se animarem à medida que experienciam o saber de que está bem estar onde estão e como estão.
Daniel Siegel: Para ajudar as pessoas a conviver com a sua dor, com o conhecimento das suas metástases ou da sua mortalidade é-lhes extremamente valioso descobrirem uma amplitude mental onde entendam que fazem parte de um fluxo universal de coisas – as pessoas adoecem, as pessoas morrem e tudo isso faz parte da ordem natural das coisas. Com esta abrangência mental, vem associada uma clareza maior, o que não é o mesmo que relaxamento, não é andar a pairar. Você ultrapassa o seu diálogo interior de “eu agora quero estar melhor”. Você pode estar no meio de enormes dificuldades e, no entanto, encontrar imensa serenidade e clareza.
Susan Bauer-Wu: É muito importante para as pessoas com cancro, ou com qualquer outra doença grave, estarem sintonizadas com aquilo que estão a experienciar em vez de se alhearem, como acontece tão frequentemente. Um dos benefícios mais importantes do mindfulness é a atenção àquilo que está a acontecer no nosso corpo, na nossa mente e no nosso meio ambiente – estar presente ao que quer que esteja a nos acontecer, connosco e à nossa volta numa determinada altura. O mindfulness torna-se um alicerce para ajudar os pacientes a tomar boas decisões e a percorrer o caminho necessário.
Outro ponto benéfico do mindfulness é reduzir a reatividade emocional e aumentar a estabilidade da mente. Não dramatizar emocionalmente traz uma maior clareza à mente, o que só por si, é saudável. Ter estabilidade da mente faz-nos mais capazes de lidar com a experiência da doença e com tudo o que ela envolve. Isto constitui um efeito muito significativo e positivo.
Jon Kabat-Zinn: Na verdade, nós ainda não temos uma linguagem para descrever o que é mindfulness. Essa é uma das coisas mais empolgantes de toda a investigação sobre mindfulness atualmente em curso. Com tantas perspectivas diferentes a suportarem-no, incluindo a neurociência e a medicina clínica, iremos ser capazes de o descrever de uma forma mais rica. Pessoalmente, sinto-me confortável em chamá-lo de prática, mas há que o distinguir de muitos outros tipos de prática. Não é exatamente como praticar piano, por exemplo; embora também envolva disciplina, a sua finalidade não é nos tornar virtuosos.
Eu prefiro chamar o mindfulness de uma maneira de ser. Posto assim, dá às pessoas uma amplitude muito maior sobre aquilo que estão, de facto, a experienciar – isto porque não se trata de tentar atingir um estado especial (e se não estiver nesse estado, então é porque cometeu algum erro). Mas, é antes, de que é possível levar consciência a qualquer estado em que se esteja. Não há nada de errado em sermos apanhados em momentos difíceis, de stress, agitados ou confusos.
É por isso que caracterizar o mindfulness como um estado de espírito pode ser problemático. Se estivermos a falar em transformar cuidados de saúde, ou qualquer outra relação individual com o próprio corpo – especialmente se ele estiver em estado de dor, sofrer de cancro ou de uma outra doença séria -, a ideia de que o mindfulness é um determinado estado de espírito pode induzir em erro. Quando experienciamos este tipo de condições, a mente pode estar particularmente agitada e abalada. Haverá reações emocionais, tal como mencionou a Susan. Portanto, a ideia de que existe um estado de espírito desejado – e que se formos suficientemente bons vamos conseguir encontrá-lo e depois tudo irá ser ótimo para o resto da nossa vida -, seria um equívoco sobre o que é, de facto, mindfulness.
Daniel Siegel: Em neurociência falamos num conjunto breve de padrões de disparos cerebrais que poderíamos chamar de estado mental. Se quiser saltar do cérebro para a mente, algumas pessoas chamar-lhe-iam de estado da mente. Argumentaríamos, então, que há algo a que poderíamos chamar “consciência”, existindo, dentro deste termo geral, muitas formas diferentes de estar consciente.
Por exemplo, se eu estiver verdadeiramente irado e segurar uma arma, eu estou consciente de que a arma está na minha mão. Se eu disparar sobre alguém, poder-se-á dizer que eu estou perfeitamente consciente de ter cometido esse ato. Mas quando discutimos aquilo a que poderíamos chamar de “consciência atenta”, aí já temos mais qualquer coisa… Se eu estou consciente e com atenção plena, vou estar imbuído de todo o tipo de discernimento sobre se a ação que eu estou em vias de cometer é uma boa ação em relação à pessoa e em relação a mim. Eu teria um sentido mais amplo do que apenas estar consciente da arma na minha mão. Eu teria uma imagem alargada do desenvolvimento de cada momento, não apenas a sensação. Assim, poderia largar a arma.
Tal como a professora budista Joan Halifax realçou num recente retiro em que participei, existe uma diferença entre estar consciente e estar consciente com sabedoria. Quando olhamos para a neurociência, estar consciente com sensatez envolve todo um conjunto do que poderíamos designar como estrutura média da área do córtex pré-frontal. Um ponto de vista possível é o seguinte: quando falamos sobre o foco da atenção, referimo-nos geralmente às áreas do dorsolateral, ou lado. Sensatez, compaixão, empatia, autocompreensão, consciência do próprio corpo, capacidade de ser flexível, ser capaz de parar antes de agir – todos estes elementos da nossa experiência mental parecem ter correlação com a atividade do pré-frontal médio e não apenas com a do dorsolateral pré-frontal. A pessoa no uso da sua área dorsolateral está consciente da arma e faz pontaria porque possui uma boa atenção; mas a que está de consciência atenta pode considerar usar a sabedoria e a compaixão e, a partir daí, ela pode não pegar na arma, pensar noutras opções ou fazer uma pausa antes do impulso passar a ação.
A prática de mindfulness pode por a nu pensamentos sombrios e difíceis, capazes de chocarem as pessoas. Considera isso benéfico numa situação de plena crise de saúde?
Daniel Siegel: Muito do que acontece na mente não acontece de forma consciente e, no entanto, esses processos não-conscientes têm impacto na nossa saúde. Trazer esses pensamentos negativos – medo, hostilidade, traição ou tristeza – à consciência faz parte da saúde básica, porque eles (no meu campo chamamos de processos neurais não-integrados) são como buracos negros: o seu centro possui tanta gravidade que suga toda a energia da vida. Esses pensamentos têm influência na saúde da mente, na sua flexibilidade e fluidez, no seu sentido de alegria e gratidão; impactam nos relacionamentos, conduzindo a formas rígidas de comportamento ou a formas explosivas de relacionamento; e têm também influência direta no nosso corpo, inclusive nos sistemas nervoso e imunitário.
Portanto, um processo exploratório como o mindfulness, que traz à consciência esses pensamentos negativos, pode ser muito benéfico – às vezes, há que enfrentar a fera para a amansar. Vários estudos científicos apontam no sentido de que quando trazemos alguma coisa à consciência e a descrevemos, podemos transformar aquilo que era uma energia negativa – uma “drenagem” de pensamento ou de cognição – numa nova forma.
Com o mindfulness, o que não estava disponível à consciência passa a estar. Precisamos apoiar as pessoas nessa jornada, porque trazer mais informação à consciência sobre o que está a acontecer na mente pode constituir um desenvolvimento muito proveitoso na vida das pessoas.
Jon Kabat-Zinn: Assumimos frequentemente os nossos pensamentos – sejam eles profundamente negativos ou não -, como verdades incontestáveis. Quando estamos irados, tudo parece ameaçador, irritante e insuficiente. Acreditamos naquilo que os nossos pensamentos nos dizem. O mindfulness permite-nos estar conscientes de um pensamento ou duma emoção forte como uma espécie de tempestade na mente ou de um evento em consciência. Assim que se olha para esse pensamento como um acontecimento ou uma tempestade, ele deixa de ter o mesmo efeito sobre nós.
A depressão, que constitui uma das maiores preocupações em relação aos pacientes, é, basicamente, uma desregulação do pensar. Existem muitas provas de que o mindfulness pode, de facto, ajudar a desenvolver todo um tipo de relações diferentes com essa corrente de pensamentos negativos chamada ruminação depressiva. O mindfulness tem um enorme alcance no tratamento da depressão e da ansiedade.
Susan Bauer-Wu: É importante realçar que notar pensamentos negativos através de mindfulness não é um mero processo passivo. Notar os pensamentos permite-nos tomar medidas. Obtemos o conhecimento a partir do qual procuramos soluções.
Jon Kabat-Zinn: Sim. A verdadeira prática de meditação é a nossa vida e como a conduzimos a cada momento. O mindfulness ajuda-nos a tomar decisões sensatas e exigentes, o que é vital se queremos participar no nosso processo de cura.
Que papel pode o mindfulness desempenhar ao nível da prevenção?
Susan Bauer-Wu: Eu vejo três grandes áreas onde o mindfulness pode ajudar na prevenção: redução de stress, diagnóstico precoce e opções de vida saudável.
Nós sabemos que existe uma relação clara entre stress e doença. Doenças agudas, como as infeções respiratórias das vias aéreas superiores ou a irritabilidade gastrointestinal, são frequentemente exacerbadas ou despoletadas pelo stress. Sabemos que o mindfulness e intervenções relacionadas, diminui a reatividade ao stress reduzindo a probabilidade do desenvolvimento deste tipo de doenças e de infeções agudas. Existem muitos estudos científicos que comprovam este efeito, incluindo um em que o Jon esteve envolvido e que mostrou um aumento dos níveis de anticorpos após a prática de mindfulness.
Em termos de doenças crónicas – desde o cancro às doenças cardiovasculares, diabetes e doenças autoimunes -, todas elas possuem uma componente inflamatória – e inflamação e stress estão absolutamente associadas. Estamos a demonstrar através de estudos científicos que a prática de mindfulness tem um impacto no processo inflamatório do corpo. Previsivelmente, começando mais cedo estas práticas é possível prevenir algumas doenças crónicas sérias associadas às inflamações.
Quanto ao diagnóstico precoce, há muito gente que, de facto, não vive sintonizada com o seu corpo e, portanto, não nota quando alguma coisa está mal. O corpo pode estar a lançar alertas para algo que precisa ser visto, mas as pessoas não estão a prestar atenção à sua maneira de ser e ao que está a acontecer no seu corpo. Com mindfulness, os sinais seriam entendidos mais cedo, permitindo um diagnóstico mais precoce.
Em relação a escolhas de estilo de vida saudáveis, podemos pensar na analogia apresentada pelo Dan: largar a arma. A arma pode ser um cigarro, mais uma fatia de bolo ou trabalhar até atingir o ponto de exaustão. O mindfulness pode ajudar-nos a notar as necessidades do corpo e, consequentemente, a fazermos boas escolhas de estilo de vida. Portanto, globalmente, o mindfulness pode ajudar na prevenção de doenças.
Daniel Siegel: Para acrescentar ao que o mindfulness pode fazer em relação ao corpo, a maneira de ser mindful suporta uma mente mais sã e relações mais estreitas. Estas três vertentes – corpo, mente e relacionamento – são as três dimensões principais da experiência humana com as quais um serviço integrado de cuidados de saúde se deve preocupar. A autocompaixão e a compaixão pelo outro são potencializadas por uma forma de ser mindful. Isto é de grande ajuda, quer para os que estão sob tratamento – um processo que envolve relações com familiares, amigos e colegas de trabalho -, quanto para os prestadores e administradores de saúde.
Como pode o mindfulness ajudar ao nível do diagnóstico e das diversas fases de tratamento?
Susan Bauer-Wu: Na fase inicial, após ser diagnosticado a alguém uma doença grave, existe um intenso período de incerteza. É evidente que existe incerteza ao longo de todo o percurso – do diagnóstico ao tratamento e à cura ou aos cuidados paliativos -, mas no início existem imensas questões na mente das pessoas. É muito comum à mente saltar para o pior cenário possível e construir uma história sobre aquilo que vai acontecer. A prática de mindfulness ajuda as pessoas a se ancorarem naquilo que é a verdade para elas no momento presente. Ajuda-as a interromperem a ficção e a estarem mais centradas e menos sufocadas.  Aumenta-lhes, igualmente, a capacidade para comunicarem de forma eficaz com os seus prestadores de saúde, ao mesmo tempo que ajuda estes a comunicar melhor com a pessoa.
Durante a fase de tratamento do cancro, seja com radioterapia, quimioterapia ou cirurgia, existe uma quantidade de sintomas, que vão desde a dor à náusea, da comichão à diarreia. A prática da consciência corpo-mente ajuda as pessoas a navegar este oceano de sintomas constantemente em movimento.
Jon Kabat-Zinn: Uma das razões porque o nosso sistema de cuidados de saúde está a entrar em ruptura é porque precisamos de uma maior participação das pessoas que estão em sofrimento. O mindfulness pode nos ajudar a desempenhar um papel mais ativo nas nossas questões de saúde e tratamento.
Você não é uma máquina que se leva à oficina para reparar ou afinar. Quanto mais cedo começar a participar nos seus cuidados de saúde, melhor. Se se começasse logo na infância, na escola,  a aprender a praticar mindfulness, isso colocaria as pessoas no caminho de uma relação muito mais saudável com o seu corpo e com as suas emoções. Isto é muito mais saudável do que o modelo atual onde apenas se espera que tudo corra pelo melhor e onde se trata o corpo, mais ou menos, como se fosse um carro que se leva ao hospital para ser arranjado quando se avaria.
A sua participação no processo é importante por múltiplas razões. A acrescentar à consciência sobre o seu estilo de vida e sobre o estado do seu corpo e mente – como referiram a Susan e o Dan -, uma vez diagnosticado é importante que se seja capaz de discutir com o médico as opções de tratamento. Há, potencialmente, imensos caminhos que podem ser percorridos, pelo que é preciso ter o máximo de agência possível nestas situações. Há uma certa paz de espírito que aparece quando nos envolvemos no processo, ao contrário do que acontece quando assumimos uma postura passiva de recipiente de tratamento.
Isto é dirigido a uma forma totalmente diferente de praticar medicina, a qual vai buscar recursos interiores do paciente no processo de tratamento. É esse o conceito da arquitetura do programa  MBSR. Existem agora mais de 31 anos de provas de que o programa pode fazer uma diferença extraordinária em relação a como as pessoas se relacionam com a sua doença e como ela de desenrola. Ser submetido a um tratamento de radioterapia, quimioterapia ou a cirurgia, com maior consciência e mindfulness faz uma diferença enorme. Mais, quando você está mais receptivo ao seu estado presente, ao colocar menos resistência torna-se capaz de ser um participante total e não apenas um recipiente de radiações ou de químio. Às vezes, se se estiver mindful, até são necessários menos analgésicos.
Daniel Siegel: É muito comum estar em negação em relação a uma mudança produzida no nossa corpo, seja uma alteração do funcionamento intestinal, um caroço no peito ou uma alteração na capacidade respiratória, situações todas elas que podem indicar um início de doença. Muita gente evita ir ao médico, mesmo para um mero “check-up” de rotina, por medo do que possa ser encontrado. Quando funcionamos em modo piloto-automático, temos tendência para evitar aquilo que possa causar stress.
Um dos dados da investigação sobre Redução de Stress Baseada em Mindfulness que mais me impressionou consta do trabalho desenvolvido pelo Richie Davidson e pelo Jon que mostra que após um curso de oito semanas de MBSR, foi notado um aumento da atividade do lobo frontal esquerdo do cérebro. Esta alteração da atividade eléctrica no funcionamento do cérebro pensa-se que possa refletir o cultivar de um “estado de aproximação”, no qual nos “movemos para” em vez de nos “afastarmos de” uma situação delicada ou de uma função mental interna, tal como um pensamento, uma emoção ou uma memória. Este estado de aproximação pode ser visto como a base neutral para a resiliência. Com uma maneira de ser mindful, desenvolvemos a nossa capacidade para permanecer presentes àquilo que, de outra forma, tentaríamos fugir. Deste ponto de vista, o diagnóstico seria melhorado porque a atitude de negação seria ultrapassada. Se pensarmos nisto, vemos que é a mente a fazer aquilo que lhe é mais útil, para si e para o corpo: ignorar a inadaptação. Também dentro na maneira de ser mindful está o mecanismo de recepção sensorial a que chamamos interocepção – percepção em relação a estados no interior do corpo. Uma capacidade aumentada para interocepção, associado à atividade numa parte do cérebro chamado lobo da ínsula, situado numa área do córtex pré-frontal de que já falamos antes. Foi demonstrado que esta área é ativada pela prática da consciência mindful. Mais, dois estudos produzidos por Harvard e UCLA mostram alterações estruturais no anterior direito da ínsula sugerindo que a prática regular de mindfulness levam a alterações na conectividade estrutural com o sistema nervoso, o que indicaria um incremento da capacidade interoceptiva.
Jon Kabat-Zinn: Levamos a cabo um estudo com pessoas com psoríase, uma doença de pele que se caracteriza por uma proliferação incontrolada de células na epiderme. Demonstramos que a pele das pessoas que meditam enquanto recebem um tratamento ligeiro de ultravioleta limpa quatro vezes mais rápido do que em pessoas que apenas fazem o tratamento de fototerapia. Este é apenas um exemplo de um estudo que sugere quanto a consciência do momento presente pode produzir uma profunda diferença no processo curativo. Uma vez que a psoríase e o carcinoma basocelular têm genes “primos afastados” em comum, talvez seja possível a mente regular, de alguma forma, até mesmo o desenvolvimento de um processo oncogénito. Nós, simplesmente, não sabemos se isto é verdade, mas valia a pena investigar.
Temos estado a discutir mindfulness e saúde na perspectiva do paciente. Que papel pode ter a prática de mindfulness nos prestadores de cuidados de saúde?
Daniel Siegel: Há indícios que a prática de mindfulness pode ser muito benéfica para médicos, enfermeiros e outros profissionais da área de saúde. Um estudo levado a cabo por Krasner and Epstein mostrou que o ensino da prática de mindfulness em médicos de clínica geral reduzia o número de casos de esgotamento e conservava-lhes a empatia. Um trabalho de Shauna Shapiro em estudantes de medicina mostra que o ensino de práticas de mindfulness aumenta-lhes a capacidade de empatia (e um médico que transmita empatia pode ter um efeito poderoso no bem-estar do paciente). Um estudo produzido na Faculdade de Medicina e Saúde Pública da Universidade de Wisconsin-Madison mostrou que os profissionais de saúde com empatia parecem ser capazes de reduzir a duração de uma constipação comum em pacientes e de lhes melhorar o sistema imunitário.
Quando eu era aluno de medicina, não nos era ensinado nada sobre “ouvir” ou “empatia”. Mesmo quando se tem, à partida, alunos de medicina com empatia, no final da experiência de socialização da faculdade de medicina, muita dessa empatia foi-lhes espremida. O mindfulness pode servir de antídoto contra a incrível pressão a que os jovens clínicos estão sujeitos. Eles iriam beneficiar do aprendizado de competências que os ajudariam a conservar a resiliência interior, não só para manterem uma postura receptiva, de abertura e compaixão para com os seus pacientes, mas também para cuidarem de si.
É como nas instruções dados nos aviões para colocar a máscara de oxigénio: primeiro, colocar em si e depois ajudar os outros. Nós não estamos a dar máscaras de oxigénio a estes clínicos. Eles andam, compreensivelmente, assoberbados e deprimidos, sentindo-se frequentemente desanimados. Como eles não sabem o que fazer com o seu próprio mundo emocional, simplesmente desistem – e todos sofremos com isso.
Susan Bauer-Wu: Concordo plenamente e acrescentaria que a própria saúde deles é afetada perante tal pressão. Quando o pessoal de enfermagem fica esgotado, frequentemente adoece e deixa de comparecer ao trabalho. Este facto transforma-se num fardo para o sistema de cuidados de saúde. Os médico, igualmente, tornam-se menos atentos quando estão doentes ou esgotados. Consequentemente, os erros ocorrem e, no geral, a segurança diminui, os pacientes são colocados em risco e os custos aumentam.
Pessoalmente, acredito que os médicos e enfermeiros praticantes de mindfulness são melhores a diagnosticar. São mais sensíveis às subtilezas das pessoas no seu todo e não se preocupam apenas com os sintomas físicos apresentados pelos doentes durante a consulta. Eu e alguns dos meus colegas temos vindo a desenvolver trabalho sob a ideia do “silêncio compassivo”. As práticas de mindfulness e da compaixão podem ajudar os clínicos a serem completamente presentes e abertos durante o tempo muito limitado de uma consulta. De uma forma geral, médicos e enfermeiros nunca foram ensinados a estarem confortáveis com o silêncio. Quando um clínico aprende a aceitar aquilo que se lhe apresenta – em vez de tentar “arranjar”, de afastar o problema, fugir do consultório ou ruminar sobre a próxima coisa stressante a fazer -, esta é uma atitude profundamente curativa em relação ao paciente. Sabemos, também, que, segundo os clínicos, estas são das experiências mais compensadoras.
Jon Kabat-Zinn: Até recentemente, os médicos não recebiam formação em como se relacionarem com alguém que está em sofrimento, que está assustado e que não percebe a generalidade do que está a acontecer. O benefício potencial – tanto para pacientes como para médicos -, no desenvolvimento deste tipo de presença empática e do silêncio – e, talvez, de incorporar o silêncio como uma forma de estar – é incrivelmente importante.
É também útil aos médicos terem a humildade de perceber que eles não conseguem “arranjar” tudo de repente. Há uma série de coisas que não podem ser “arranjadas” em medicina. Ainda que fosse maravilhoso se existisse um maior número de casos de cura – e mais investigação científica trará indiscutivelmente mais curas no futuro – sarar é sempre possível, mesmo sem curar.
Se convocássemos os nossos pacientes a participar ativamente desta cultura de mais saúde e bem-estar, enquanto serenamente – com autocompaixão e sensatez – lidam com a sua doença, custaria muito menos dinheiro ao sistema e deixaríamos de produzir “arranjos” que não vão funcionar em pessoas que nem necessitam deles. Mas o nosso sistema continua a funcionar assim, a modos que em desespero.
Poderia fazer uma diferença enorme se o mindfulness fosse disponibilizado na parte mais larga do funil – digamos assim -, antes das pessoas acabarem numa situação mais grave que depois requer cirurgia ou internamento hospitalar prolongado. Os nossos hospitais e centros de saúde têm potencial para se transformarem em centros integrados de saúde. Se médicos e pacientes tivessem acesso a formação em mindfulness, isso reviveria a dimensão sagrada da relação médico-doente baseada no juramento de Hipócrates. Poder-se-ia dirigir o tratamento mais na direção de cuidar da pessoa como um todo em vez de reparar partes do seu corpo. Os pacientes estariam envolvidos como parte importante do processo, os médicos ficariam mais felizes, os enfermeiros ficariam mais felizes e as administrações hospitalares ficariam mais felizes… E custaria muito menos dinheiro.
Daniel Siegel: O mindfulness é parte de algo muito maior para onde a sociedade tem que se virar: compreender a importância da nossa relação uns com os outros e aceitar que a mente – embora ela não seja mensurável como um objeto físico – é, de facto, uma entidade real cujo funcionamento tem efeitos monumentais em como moldamos o nosso mundo – físico ou outro. Do ponto de vista da investigação científica, existe hoje muito mais suporte para colocar o entendimento das relações e da mente ao mesmo nível do funcionamento do corpo. Antevejo, no futuro, ser esta uma parte fundamental na formação de clínicos e acredito no emergir de um novo vocabulário unificado, o qual nos permitirá falar de subtilezas deixadas por examinar nas nossas formas passadas de falar e praticar medicina.
Dispomos, agora, de resultados fornecidos por investigação científica séria para apresentar a uma comunidade estudantil de medicina cientificamente ávida. Podemos demonstrar que não se trata de “ninharias”, não são meras questões opcionais. As dinâmicas da mente e das relações com os outros são fundamentais para o que significa ser humano e o que representa trazer cura ao mundo.
  • Joh Kabat-Zinn, Ph.D., é fundador e diretor-executivo do Center for Mindfulnes in Medicine, Health Care and Society na University of Massachusetts Medical School e criador do reconhecido Programa de Redução de Stress Baseado em Mindfulness. É autor de várias obras de sucesso, entre elas Full Catastrophe Living, Whereever You Go, There You Are, Coming to Our Senses, Healing Ourselves e The World through Mindfulness.
  • Susan Bauer-Wu, Ph.D., é professora de enfermagem na Georgia Cancer Coalition Distinguished Scholar at Emory University em Atlanta. Investigadora, clínica e professora, o seu trabalho tem como foco principal a aplicação clínica de mindfulness e os seus efeitos na saúde e qualidade de vida em indivíduos que vivem com doenças graves, principalmente cancro.
  • Daniel Siegel, M.D., é professor de psiquiatria clínica na UCLA School of Medicine. É diretor do Mindsight Institute e co-diretor da UCLA Mindful Awareness Research Center. É autor das obras The Mindful Brain: Reflection and Attunement in the Cultivation of Well-Being e de Mindsight: The New Science of Personal Transformation.,

    Tradução de Raul C. Gonçalves
http://www.mindful.org/the-healing-power-of-mindfulness/

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