Neurociência concorda com crença budista: o “eu” não é constante, está sempre a mudar

 Por Olivia Goldhill
in Quartz | 20 de Setembro de 2015
Embora você possa não se recordar da sua vida em bebé, é bem provável que acredite que a sua individualidade de então – o seu ser essencial – era intrinsecamente o mesmo de hoje.
No entanto, os budistas defendem que isso não passa de uma ilusão – uma filosofia que está a ser cada vez mais corroborada por estudos científicos.
“Os budistas argumentam que nada é constante, tudo muda ao longo do tempo, que o nosso fluxo da consciência está em permanente mudança”, disse à Quartz Evan Thompson, professor de filosofia da mente na University of British Columbia. “E de uma perspectiva da neurociência, o cérebro e o corpo estão num fluxo constante. Não há nada que corresponda ao sentido de que exista um “eu” imutável.
A neurociência e o budismo chegaram a estas ideias de forma independente, porém, alguns investigadores começaram, recentemente, a referir esta religião oriental nos seus estudos – e acabaram por aceitar teorias formuladas, pela primeira vez, por monges budistas há milhares de anos.
Um trabalho de neurociência, publicado em Julho na revista Trends in Cognitive Science, liga a crença budista de que o nosso “eu” está em permanente mudança a áreas físicas do cérebro. Há elementos científicos de que “o auto-processamento no cérebro não é instanciado numa determinada região ou rede, antes se estende a uma ampla gama de flutuações de processos neurais que não parecem ser auto-específicos”, escrevem os autores.
Evan Thompson, cujo trabalho inclui estudos de ciência cognitiva, fenomenologia e filosofia budista, diz que esta não é a única área em que a neurociência e o budismo convergem. Alguns neurocientistas, por exemplo, acreditam agora que as faculdades cognitivas não são fixas, antes podem ser treinadas através da meditação. E que pode haver sustentação científica para a crença budista de que a consciência se prolonga ao estado de sono profundo.
“Na perspectiva geral da neurociência, o sono profundo é um estado de ‘apagão’ onde a consciência desaparece”, diz Evan Thompson. “Na filosofia hindu, alguns teóricos defendem de que existe uma consciência subtil que continua presente no sono sem sonhos, existindo apenas uma falta de capacidade para consolidar isso numa memória do momento a momento.”
Estudos sobre padrões de sono de meditadores sugerem que este possa ser, de facto, o caso. Um estudo publicado em 2013 descobriu que a meditação pode ter um efeito sobre os padrões da atividade eléctrica do cérebro durante o sono, e os dados sugerem que pode haver capacidade para “processar informação e manter algum nível de consciência, mesmo durante um estado onde, normalmente, estas funções cognitivas são altamente limitadas”, de acordo com os pesquisadores.
Porém, nem a neurociência nem o budismo têm uma resposta definitiva sobre como, exatamente, a consciência se relaciona com o cérebro. E os dois campos divergem sobre certos aspectos do tema. Os budistas acreditam que há alguma forma de consciência que não é dependente do corpo físico, enquanto os neurocientistas (e Evan Thompson) discordam.
O investigador, no entanto, concorda com os budistas de que o “eu”, de facto, existe. “Na neurociência, deparamo-nos muitas vezes com pessoas que afirmam que o “eu” é uma ilusão criada pelo cérebro. A minha opinião é que o cérebro e o corpo trabalham em conjunto no contexto do nosso ambiente físico para criar um sentido do “eu”. E é equivocado dizer que só porque é uma construção, seja uma ilusão”, afirma.
Tradução de Raul C. Gonçalves
http://qz.com/506229/neuroscience-backs-up-the-buddhist-belief-that-the-self-isnt-constant-but-ever-changing/

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