Escola problemática de São Francisco transformada pelo poder da meditação
por Anna Leach
in The Guardian | 24 de novembro de 2015
Houve um tempo em que a Visitacion Valley middle school (ensino básico), em São Francisco, poderia fazer parte de uma qualquer série criminal norte-americana. Rodeada por drogas e violência de gangs, os miúdos eram nervosos e stressados. Um dia, as crianças chegaram à escola e encontraram três cadáveres largados no pátio. “Em 2006, houve 38 mortes violentas nos bairros vizinhos”, refere Barry O’Driscoll, diretor do departamento de Educação Física. Segundo ele, a vida dos alunos estava contagiada pela violência da comunidade e diversas lutas entre eles aconteciam todos os dias.
Em 2007, um programa de meditação chamado Quiet Time foi introduzido para fazer face a este problema. “Quando ouvi falar dele pela primeira vez achei que, muito provavelmente, não iria funcionar”, refere O’Driscoll. “A cada par de anos lançávamos uma coisa nova, pelo que não coloquei muita fé naquilo.” Porém, em Abril, apenas um mês após ter começado a meditação, os professores perceberam mudanças no comportamento. “Os alunos pareciam mais felizes”, diz O’Driscoll. “Trabalhavam mais, prestavam mais atenção, era mais fácil ensiná-los e o número de brigas caiu drasticamente.”
No primeiro ano do Quiet Time, as suspensões em Visitacion Valley, que conta com 500 alunos com idades compreendidas entre os 11 e os 13 anos, caiu em 45%. No ano lectivo 2009-2010, a taxa de frequência foi de 98% (uma das mais altas da cidade) e, atualmente, 20% dos graduados são admitidos na prestigiada Lowell High School, quando antes era raro um único aluno ser ali aceite. Mas, ainda mais impressionante, foi no ano passado os estudantes da Visitacion Valley middle school terem sido considerados os mais felizes de toda São Francisco pelo “California Heathy Kids Survey” (inquérito sobre saúde infanto-juvenil na Califórnia), do Departamento de Educação do Estado.
Muito mudou ao longo deste período, incluindo três diretores que entretanto entraram e saíram, mas O’Driscoll coloca o ponto de viragem na única constante: o efeito apaziguador do programa de meditação. “Ofereceu uma enorme estabilidade à nossa escola, ajudando funcionários e crianças a lidar com o stress no nosso dia a dia”, disse.
Estes resultados impressionantes levaram a que mais escolas da cidade introduzissem o programa. No entanto, o Quiet Time levou anos a desenvolver. A sua origem remete-nos aos anos 1990’s quando dois investidores de Silicon Valley, Jeff Rice e Laurent Valosek, desenvolveram o programa para ensinar meditação nas escolas públicas, isto na sequência do trágico massacre da Columbine High School. “Após o tiroteio, os vilões do costume foram culpados: armas, violência no cinema e nos video games“, diz Rice. “Mas ninguém tocou no verdadeiro problema: stress.”
Totalmente financiado por capitais privados, foi fundada uma organização sem fins lucrativos: o Center for Wellness and Achievement in Education (CWAE). Quando começaram, a opinião generalizada era de que seria impossível conseguir que jovens de 12 anos permanecessem sentados sequer por um minuto. Porém, através da meditação transcendental, eles provaram que os seus críticos estavam errados.
O Transcendental Meditation (TM) programme, introduzido em todos os escalões etários, prevê os estudantes meditarem sentados durante 15 minutos, duas vezes ao dia. As aulas têm lugar com os alunos nas respectivas secretárias, após o professor de meditação transcendental tocar o sino. Os estudantes repetem, então, interiormente, um mantra (palavra em sânscrito, língua antiga da Índia) pessoal, até atingirem uma profunda sensação de relaxamento. Por vezes, toda a escola reúne-se em assembleia para meditar.
Antes dos alunos aprenderem a meditar, o programa Quiet Time tem como condição de que todo os funcionários sejam treinados em meditação transcendental. No início, O’Driscoll estava um pouco céptico quanto a ele próprio meditar, mas desde que experimentou ele consegue agora concentrar-se melhor e sente-se menos stressado.
Este professor testemunhou também mudanças radicais nos seus alunos. Stacy*, aluna do 8 Grade (3º ciclo), tem vindo a praticar meditação desde que entrou na escola, há três anos atrás. Ela tinha um histórico de problemas em casa, envolvendo discussões familiares, refere O’Driscoll. “Uma vez iniciado o Quiet Time ela ficou mais doce e começou a dar-se com as pessoas”. Os resultados académicos de Stacy também melhoraram: atualmente, ela encontra-se no Top 5% da turma.
Porém, a adoção do programa não está isenta de desafios. Para levá-lo plenamente a cabo, a Visitacion Valley middle school aumentou o seu horário diário em 30 minutos. Outras escolas foram buscar alguns minutos aos horários de almoço e aulas de apoio.
Quanto a conseguir que as crianças começassem a meditar, O’Driscoll diz que o mais difícil foi fazer com que eles se sentissem confortáveis de olhos fechados. “Eles achavam que os colegas iam começar a gozá-los, a olhá-los fixamente, até mesmo bater-lhes”, disse. Uma vez ultrapassados estes receios, eles ficaram abertos a tentarem meditar.
O’Driscoll refere ainda que a aceitação da liderança é essencial para que o programa funcione de acordo com as necessidades em termos de tempo e recursos. É também importante começar pequeno. “Não mandar-se para 2.000 escolas”, diz. “Começar com uma turma ou um ano e deixar as coisas crescerem a partir daí.”
O Reino Unido já começou com os programa experimentais de meditação. Atualmente, 400 escolas secundárias oferecem programas como o Dot B mindfulness meditation programme, o qual acontece normalmente um vez por semana na disciplina de Personal, Social, Health Education (PSHE). Um grupo interpartidário do Parlamento apresentou uma recomendação ao Departamento de Educação para que este designasse três escolas como pioneiras para o ensino de mindfulness, e criou um fundo de um milhão de libras para ajudar a que mais escolas possam implementar a prática.
Nos outros países, o programa TM tem sido criticado pelo custo que lhe está associado. O programa de Visitacion Valley tem um custo anual de 280 mil dólares, suportado praticamente por donativos privados à CWAE. Um montante 4,5 vezes superior ao valor pago (em horário completo) pelo Quiet Time com funcionários para dar aulas e apoiar alunos.
Jeff Rice diz que eles usam o programa TM por este levar a um nível mais profundo de relaxamento e ser de mais fácil aprendizagem para as crianças. Mas admite que “requer um empenhamento de longo prazo em recursos e dedicação. E este é um dos desafios.”
Contudo, Swarana Patel, professora numa escola secundária na zona norte de Londres onde questões comportamentais são frequentemente um problema, consegue ver os benefícios de um programa deste tipo mais intensivo. “Muitas das crianças têm questões profundas de ira ou problemas de concentração”, disse. “Talvez se tiverem meia-hora para se focarem nelas, conseguindo mais consciência e equilíbrio, isso possa ter algum impacto.”
E poderá ajudar a uma redução de custos mais tarde. “Os jovens são incrivelmente stressados”, afirma Michael Matania, o qual ensina meditação mindfulness a jovens em Londres através do programa Mindkit. “Há uma explosão de problemas de saúde mental entre os jovens e vai tornar-se extremamente caro o seu tratamento no futuro. Apostar na prevenção e criar resiliência é muito mais barato, e o mindfulness é a melhor ferramenta que se lhes pode dar”.
Quanto à Visitacion Valley middle school, a área envolvente continua violenta, mas atualmente as crianças já não são tão afetadas por isso. “Podemos ter desentendimentos verbais, mas as crianças são capazes de as ultrapassar em vez de andarem à estalada”, diz O’Driscoll e acrescenta que a última vez que houve uma luta ao murro na escola foi há três anos atrás. “Agora, isto aqui é muito pacífico”.