Um coro de críticas tem vindo a aumentar paralelamente ao crescimento dos programas de mindfulness no trabalho. Mas estar-se-á a deitar fora o essencial para rejeitar o acessório?
por Jeremy Adam Smith
in Greater Good | 2 de Dezembro de 2015
Reação crescente ao mindfulness no trabalho
“As empresas têm aproveitado a onda do mindfulness porque, convenientemente, isso transfere o fardo para o empregado”, escreve Ron Purser e David Loy no Huffington Post. “O stress é apresentado como um problema individual e o mindfulness oferecido como o remédio certo para ajudar os empregados a trabalhar de forma mais calma e eficiente dentro de um ambiente hostil.
Terão estes argumentos algum mérito científico? Ou estarão a desprezar o essencial juntamente com o acessório?
Estas foram questões que eu explorei junto de oradores e participantes na recente conferência Mindfulness & Well-Being at Work (mindfulness e bem-estar no trabalho), organizada pelo Greater Good Science Center, Mindful magazine e 1440 Multiversity, a qual teve lugar na Universidade da Califórnia, Berkeley.
Muitas pessoas com quem falei concordaram que os programas de mindfulness, os quais estão apenas a começar a descolar, apresentam problemas – mas não necessariamente aqueles citados pelos mais críticos no New York Times, The Atlantic, Salom.com, entre outros. Investigadores, professores de mindfulness e consultores de empresas todos parecem concordar em mostrar um sinal vermelho quando as empresas começam a mexer com a mente dos seus empregados – não sendo um forte sentido de autocontrolo uma questão menor.
“Os nossos cérebros estão permanentemente a ser moldados, consciente ou inconscientemente”, declarou Richard Davidson, pioneiro em pesquisa de mindfulness, nos tópicos apresentados à conferência. Mindfulness, disse, “é uma via para se tomar responsabilidade pela própria mente.”
Mindfulness no trabalho: fazer o quê?
À medida que programas de mindfulness no local de trabalho – como o Search Inside Yourself Leadership Institute (SIYLI) ou o Potencial Project –, foram crescendo, têm sido acompanhados por um coro de críticas. Muitos destes programas e intervenções experimentais visam minimizar o tempo despendido. Acontecem no espaço online e tentam encolher o envolvimento dos participantes a períodos tão curtos como duas semanas ou apenas dez minutos por dia. A maioria foca-se na redução do stress, construído a partir do reconhecido e cientificamente comprovado “Programa de Redução de Stress Baseado em Mindfulness“, de Jon Kabat-Zinn.
Para os críticos, é precisamente aí que reside o problema. No Salon.com, por exemplo, Ronald Purser and Edwin Ng salientam, de forma bastante razoável, de que “o stress dos trabalhadores não é autoinfligido nem se deve a falta de mindfulness“. Ao invés, o stress surge a partir de condições externas, muitas vezes injustas, como a insegurança no emprego ou as mudanças tecnológicas constantes, que o mindfulness pode apenas minimizar, ou assim esperam as empresas.
A solução, contrapõem Ronald Purser e Edwin Ng, está em mudar as condições de trabalho, não mudarmo-nos a nós. Purser e Ng rejeitam a ideia de que ajudar os trabalhadores a cultivar uma “consciência de cada momento” os ajude a mudar os locais de trabalho. Uma vez que ainda não existe qualquer prova de que o mindfulness possa vir a ser um “cavalo de Troia” que derrubará a ordem das empresas, eles argumentam que “o mindfulness em indivíduos nos locais de trabalho, poderá, quanto muito, aliviar o stress ou criar o que Kevin Healy, professor de comunicação na Universidade de New Hampshire, descreveu como “bolhas de integridade” para indivíduos selecionados, enquanto a disfunção sistémica das empresas continua inalterada”.
Tudo isto parece sugerir que o alívio do stress tem aqui um objetivo pouco meritório e pode ser mesmo uma forma de desviar a atenção sobre a necessidade de mudanças sistémicas ao mais alto nível.
Na revista britânica The Conversation, Zoe Krupka vai mais longe, acusando essas empresas de estarem a incorporar o mindfulness e a transformá-lo numa forma de “suportar o insuportável”.
A acusação dela não é contra o mindfulness em si mas o seu uso rápido e fácil por parte das empresas. Segundo escreve Zoe Krupka, “talvez seja este o ponto crucial da aplicação estúpida da prática budista da meditação: o marketing do mindfulness como uma solução para lidar com o stress e o equilíbrio em vez da abordagem espiritual mais complexa sobre o propósito da vida.”
Um argumento com o qual Fred Luskin, terapeuta e diretor do “Forgiveness Project” da Universidade de Stanford, está absolutamente de acordo.
“Há uma expectativa de que algo que levou décadas a desenvolver possa ser transmitido a uma cultura (empresarial), a qual tem fundamentalmente outros objetivos”, disse-me Luskin durante a conferência Mindfulness & Well-Being at Work. E o mais importante desses objetivos é, naturalmente, o lucro.
Muitos dos conferencistas pareciam, de facto, apostados em persuadir a audiência de que a meditação mindfulness é boa para os lucros das empresas, apontando para um número crescente de estudos que sugerem que o mindfulness pode aumentar a satisfação dos clientes, melhorar a tomada de decisões ou criar autoconfiança nas chefias, tudo o que, teoricamente, pode ajudar um negócio a ser mais bem sucedido enquanto negócio.
Um dos oradores, Jacqueline Carter, realçou um benefício sobre o qual eu jamais sequer havia pensado: de que o treinamento em mindfulness pode, em alguns trabalhos, ajudar a salvar vidas humanas. Podemos achar engraçado imaginar fortes carpinteiros e eletricistas sentados em colchões, de pernas cruzadas e de olhos fechados, mas na indústria da construção civil, disse Jacqueline Carter, este treino tem um benefício muito concreto.
“A principal razão porque acontecem acidentes no trabalho (da construção) é porque as pessoas não estão a tomar atenção”, disse.
Prática consciente, objetivos modestos
Isto fez-me perceber que alguns dos mais eminentes críticos dos cursos de mindfulness no trabalho podem estar a passar ao lado da questão principal.
O mindfulness pode não dar resposta às desigualdades ou inseguranças nos locais de trabalho, tal como reclamam Purser e Ng. Mas será suposto darem? Não será suficiente o facto dele simplesmente integrar décadas de conhecimento produzido por centenas de estudos num curso que é parte dos cursos de formação da empresa, com o intuito dos trabalhadores obterem benefícios específicos à respectiva atividade. Se um breve curso de respiração consciente e de rastreio do corpo pode ajudar à segurança dos trabalhadores da construção civil, é isso assim tão mau?
Talvez seja pedir demasiado a um curso de mindfulness secular dado no local de trabalho que tenha o mesmo impacto que a prática sustentada da meditação budista. Um estudo levado a cabo recentemente chegou à conclusão de que um curso de duas semanas (de mindfulness) na empresa, o qual incluía a leitura de um texto e dez minutos de meditação orientada, conduzia a uma melhoria da qualidade do sono. É claro que o curso não é uma cura para tudo. Os participantes “não deram mostras de melhorias significativas na sua capacidade para psicologicamente se distanciarem do trabalho”, o que constituía um dos objetivos desejados.
“É provável que seja necessário praticar mais intensamente e por períodos mais longos até se poder sentir os efeitos ao nível do distanciamento psicológico”, explica Ute Hülsheger, professor associado de trabalho e psicologia organizacional na Universidade de Maastricht e coordenador do estudo. “Mas é possível que a qualidade do sono seja mais sensível à meditação e, como tal, se possa sentir mais cedo os efeitos positivos da prática de mindfulness.”
Na verdade, uma quantidade apreciável de cursos de mindfulness no local de trabalho nunca poderão ser mais do que meros instigadores para o empregado. Ainda não sabemos se estes cursos rápidos podem ou não servir para abrir a porta a uma prática mais aprofundada fora do local de trabalho, mas parece razoável assumir que sim. Tal como os comentários do professor Hülsheger sugerem, há ainda muita coisa de que não temos certezas.
Mas como poderíamos ter? Tem apenas poucos anos que os negócios começaram a oferecer cursos de mindfulness aos seus empregados. As pessoas envolvidas em dar e em receber esses cursos são pioneiras, e os pioneiros cometem erros.
O que fazer à consciência?
A nossa falta de conhecimento pareceu incomodar bastante Ronald Purser e Edwin Ng, os quais criticaram o mindfulness empresarial a partir duma perspectiva budista.
Os dois cientistas citaram Jeremy Hunter, professor associado da Cleremont Graduate University, colocando em itálico palavras que indicavam possibilidades e não certezas: “Se uma organização empresarial consegue trabalhar de forma criativa as questões do aumento da consciência individual, isso poderá ser uma enorme mais-valia.”
Na nossa conversa durante a conferência Mindfulness & Well-Being, Hunter explicitamente concordou com Purser e Ng em muitos pontos, principalmente na questão de que os cursos de mindfulness não devem ser frequentados de ânimo leve ou não voluntariamente. “Mindfulness no trabalho de forma compulsória não é uma boa ideia”, disse Hunter.
Uma grande parte do problema com o mindfulness no trabalho resume-se a um paradoxo: o mindfulness pede ao praticante para abrir portas dentro de si num contexto impessoal de trabalho.
Entre outras dificuldades, refere o professor Hunter, “nós precisamos reconhecer a realidade do trauma”. Antes do início dos cursos no trabalho por si orientados, Hunter entrevista todos os participantes sobre o seu histórico, questionando especificamente sobre possíveis experiências de violência ou abuso, problemas esses que recentes pesquisas mostraram poderem ser amplificados pela prática de mindfulness. Os cursos não podem deixar as pessoas penduradas, disse Hunter. “O que fazer com esta consciência? Partilhá-la? Guardá-la para si?”
Em última instância, poderá ser isto o que deixa os críticos inquietos. Estes cursos de mindfulness parecem ser uma outra forma para os empregadores invadirem e controlarem a nossa vida interior.
No seu ensaio, Zoe Krupka parece particularmente preocupada em que o mindfulness empresarial possa acabar por ser essencialmente uma forma de controlo mental.
“O mindfulness é a ferramenta ideal para induzir aquiescência, com o seu foco na gestão individual das nossas respostas a forças que nos dizem estar muito para além do nosso controlo”, escreve Krupka.
Este é o tipo de crítica que deixa o professor Hunter irritado. Ele argumenta que a maior parte dos “empresários modernos” estão genuinamente interessados no bem-estar dos empregados. E mesmo que isso não fosse verdade, a atenção plena é uma capacidade que pode ser usada de muitas maneiras.
“A maior parte da vida está sujeita a forças que estão muito para além do nosso controlo”, escreveu-me ele num e-mail após a conferência. “Qualquer pessoa com uma doença crónica, com crianças que gritem constantemente ou com uma conta de passageiro frequente de uma companhia aérea poder-lhe-á dizer a mesma coisa. Ter mais ferramentas para suportar o insuportável é sempre uma coisa boa”. E acrescenta: “apenas posso falar da minha experiência, mas os meus clientes procuram mindfulness e autoconsciência para as suas equipas porque pretendem exatamente o oposto da anuência passiva. Eles querem que as pessoas tomem ações mais assertivas no local de trabalho, que sejam corresponsáveis pela cultura de que fazem parte e não que fiquem sentados à espera que alguém lhes diga o que fazer”.
Iniquidade no trabalho
Rhonda Magee concorda, até certo ponto, com ambas as partes – críticos e Jeremy Hunter -, sugerindo que a verdade no terreno dentro dos locais de trabalho pode ser bastante complicada.
Como professora de direito na Universidade de São Francisco, ela tem vindo a liderar os esforços para integrar a prática secular de mindfulness a todos os níveis do seu departamento e reclama ter resultados palpáveis. O seu decano afirma que isto encorajou o corpo docente e os serviços a expressarem mais gratidão e compaixão entre eles. Mas mais do que isso, o mindfulness ajudou o departamento a dar atenção a questões de equidade, incluindo desigualdades salariais. Num e-mail que me dirigiu, Rhonda Magee escreve: “não tem sido fácil, mas estamos a colocar os nossos esforços para dar atenção a este tema com o máximo de compaixão e apreço mútuo possível, e, no entanto, estamos a abordar estas questões: algo que nunca havíamos feito nos meus 18 anos de faculdade”.
A verdade é que os efeitos sistémicos do mindfulness institucional ainda não foram bem definidos no terreno, nem, tão pouco, têm sido tema de muita (alguma?) pesquisa. Tal é consistente com a norma contemporânea dominante entre a comunidade científica de pesquisa ao nível do indivíduo: análise de dados quantitativos.
Rhonda Magee coloca as cartas na mesa: para ela “a comunidade de pesquisa contemplativa não se tem focado nas alteração institucionais e nos desequilíbrios de poder, porque, possivelmente, a equidade entre grupos permanece um “ponto cego” só acessível a alguns privilegiados.
Embora possa parecer à primeira vista estar do lado dos críticos, Rhonda Magee acha muitos deles pouco construtivos no seu criticismo. “Eu acredito em ser parte de soluções”, escreve. “Acho que precisamos chamar a atenção para este ponto e fazermos o nosso trabalho, no sentido de desenvolvermos ambas as dimensões: a prática e a pesquisa.”
A conclusão sobre mindfulness no trabalho poderá ser: temos de experimentar antes de conseguirmos entender o seu impacto, e como podemos melhorar.
Enquanto esta conferência Mindfulness & Well-Being at Work focou-se largamente no empoderamento dos participantes voltarem ao trabalho na segunda-feira e desenvolverem novos programas, suspeito que futuros encontros trarão uma boa quantidade de mais desacordo, mas também novidades sobre resultados no mundo real.
O mindfulness poderá não criar utópicos locais de trabalho, mas todas as pesquisas (e anedotas) produzidas até hoje sugerem que produz modestos mas mensuráveis melhorias no bem-estar dos trabalhadores. O que vale a pena prosseguir.
Tradução de Raul C. Gonçalves