Economia da generosidade. As diferentes formas de riqueza

A sociedade está projectada a partir do paradigma da riqueza financeira; mas está o mundo mais rico por isso? Nipun Mehta, fundador do ServiceSpace.org usa esta questão como um ponto de partida na defesa de formas alternativas de riqueza, como tempo, comunidade e atenção.

A nossa sociedade está hoje demasiado virada para a riqueza financeira. Riqueza é sinónimo de dinheiro, mesmo quando existem tantas outras formas de riqueza.

    Ora, o que se pode dizer é que, no mínimo, esta orientação para o dinheiro não tem dado grandes resultados. Em 2016, a Oxfam divulgou um relatório onde mostrava que as 62 pessoas mais ricas do mundo possuem mais riqueza financeira do que os 3,5 mil milhões mais pobres – o que representa mais de metade da população mundial! Este simples facto tem um impacto tremendo ao nível do bem-estar geral. Acresce ainda o facto do dinheiro não ter sido imaginado para aumentar os vários aspectos da experiência humana. O mundo emite dinheiro como dívida e para pagar essa dívida são necessárias taxas de crescimento constante. Com o tempo, isso obriga a comoditizar bens e serviços que, de outra forma, poderiam ser compartilhados: uma boleia que se dá a alguém, cozinhar para um vizinho, instalar temporariamente um amigo em casa. Passámos a colocar um preço em tudo. Além disso, este foco no dinheiro acaba por gerar uma sensação de escassez que não nos beneficia em nada (não nos faz bem ao coração nem à mente).

    O que podemos fazer, então? Que outras formas de capital temos à nossa disposição?

    Em 1999, um grupo de jovens de vinte e poucos anos de Silicon Valley criámos uma organização chamada ServiceSpace. O nosso único propósito era poder dar. Começámos por construir websites para organizações sem fins lucrativos, apenas como um acto de amor. Ao longo deste tempo, fomos ouvindo as pessoas dizer que “para vocês poderem se manter e ampliar este serviço, vão ter obrigatoriamente de gerar receitas”. Dezoito anos depois, o nosso trabalho tem chegado a milhões de pessoas e ainda não nos monetizámos, não hospedamos publicidade no site, nem estamos a captar fundos.

    E como é que isso foi possível? Porque encontrámos uma mina de ouro, um filão de formas alternativas de riqueza. 

    Primeiro, o capital tempo. Todos temos tempo. Pensamo-lo habitualmente em termos de emprego: “eu disponho de tempo e vendo esse meu tempo no meu emprego”. Mas, infelizmente, não somos muito bons a perceber e a valorizar este capital. Uma pesquisa da Gallup divulgada em 2015 mostrou que 71% das pessoas nos Estados Unidas sentem-se pouco ocupadas nos seus locais de trabalho. Um custo estimado em 350 mil milhões de dólares.
    Mas há mais. A verdade é que existe por aí muito tempo disponível, tempo esse que poderia ser canalizado para outros fins. Segundo dados de 2015, só nos EUA gastam-se anualmente 200 mil milhões de horas em frente à televisão e 300 milhões de minutos por dia a jogar videogame. Será que não seria possível canalizar doutra maneira todo este capital? Usá-lo de uma forma socialmente mais construtiva? 

E é chegados a este ponto que a tecnologia nos pode ajudar. Existem variadíssimos exemplos bastante criativos, como, por exemplo, a Wikipedia. Embora, normalmente, não pensemos nela como um lugar onde as pessoas oferecem o seu trabalho voluntário, segundo os dados disponíveis cerca de 100 milhões de horas de voluntariado foram oferecidas a este projecto. E isto corresponde apenas a 1% do tempo considerado disponível. Os outros 99% ainda estão por explorar.
    Ora se o tempo é um capital e a hora uma moeda, é fácil imaginar que pudesse haver bancos de tempo que nos permitisse manter esta moeda. E, na verdade, até já existem. São 300 em todo o mundo. Em Vermont, por exemplo, existem bancos de assistência para fornecer cuidados informais a idosos. Em Seattle já há um centro para a terceira idade, chamado Mount, que tem a particularidade de integrar um berçário, o que permite uma aprendizagem intergeracional. Trata-se de uma ideia brilhante, porque tanto os mais velhos quanto as crianças têm imenso capital tempo. Juntá-los permite uma quantidade imensa de trocas de riqueza diferentes. Os idosos têm histórias, têm experiência, têm sabedoria; as crianças têm curiosidade, energia e entusiasmo. Juntar todos estes recursos permite a criação de uma quantidade enorme de valor.

    Um outro tipo de capital é a comunidade. Tendemos a imaginá-la enquanto um conjunto de indivíduos de forma isolada; mas este é um daqueles casos onde o resultado pode ultrapassar largamente a soma das partes. A forma como nos relacionamos, como nos conectamos uns com os outros, pode acabar por influenciar o resultado no seu todo. Se olharmos para um pedaço de grafite e para um diamante, ambos são feitos dos mesmos átomos de carbono – a diferença está em como esses átomos se ligam entre si.

    Não precisamos ir muito longe para perceber isso. Para o caso, basta ir até à sala de jantar. Um estudo realizado nos EUA sobre os benefícios de jantar em família concluiu que há muito a ganhar no simples facto da família se reunir para comer. Quando as crianças ainda são muito pequenas, o seu vocabulário aumenta; nas mais velhas, os resultados académicos melhoram; crianças e adolescentes começam a comer mais frutas e legumes e são menos propensos a serem obesos; diminuição das taxas de consumo de álcool, depressão e violência. Tudo coisas que não nos vem à ideia quando pensamos no valor de uma simples refeição em família. E, no entanto, há todo um efeito em cadeia. 

    Robert Waldinger, da Universidade de Harvard, é director de um dos mais longos estudos sobre felicidade e viver bem. Após 75 anos de investigação, foi publicada a seguinte conclusão: bons relacionamentos são a chave de uma melhor saúde e de mais felicidade. Tudo se resume a relacionamentos. E nem precisamos aprofundar muito o assunto para constatarmos em como eles estão em declínio. Se antes costumávamos formar equipas para jogar à bola, hoje fazemo-lo sozinhos em frente a um computador. Estamos cada vez menos envolvidos em organizações comunitárias, somos menos dados a votar… 

Do que é feita uma vida boa? | Robert Waldinger | TED Talks

    Uma forma menos óbvia de capital é o da atenção. Intuitivamente, todos temos noção disso, uma vez que toda a indústria da publicidade está voltada para a monetização da nossa atenção. Até há pouco tempo, no que se refere a este capital, os peixinhos dourados de aquário ocupavam o fim da escala, com um tempo de atenção de nove segundos. Em 2015, acabaram de ser substituídos: os humanos, que costumavam ter 12 segundos de atenção, têm agora apenas 8! As nossas mentes estão a transbordar. Em vez de estarmos conscientes, estamos absolutamente sobrecarregados. O volume de informação disponibilizado diariamente por um grande jornal é superior ao que conseguiríamos encontrar durante toda a nossa vida na Inglaterra do século XVII. O resultado é uma hiperestimulação do nosso sistema nervoso, deixando-nos absolutamente exaustos e insatisfeitos.

    Existem várias formas para se construir esse capital de atenção – e a meditação mindfulness é certamente uma delas. Megan Cowan é alguém que decidiu construir essa valência nas escolas. Montou um programa, levando a prática à sala de aulas. Numa dessas práticas, ela tocava um sino e pedia às crianças para observarem apenas a respiração “até deixarem de ouvir o som do sino”. Todos os dias esta prática era repetida. Anos depois, lembro-me de ter assistido a uma entrevista na ABC, onde um jovem estudante explicava que numa fase da sua vida tinha decidido pôr termo à vida. Foi quando se lembrou do exercício do sino: “talvez o melhor seja simplesmente esperar e deixar que este sentimento passe… e foi exactamente isso que aconteceu”. É este o poder do capital da atenção. Uma mente tranquila dá-nos muito mais opções para responder aos desafios da vida.

    Tempo, comunidade, atenção. Cada um, um tipo diferente de capital. Cada um com a sua moeda. O tempo é medido em horas, dimensionado em bancos de tempo e apresenta-se na forma de compromisso social. A comunidade tem a moeda dos afectos, que leva à construção de laços sociais e cria confiança no nosso mundo. A atenção conduz ao mindfulness e, em última instância, à acção pró-social.

    E existem ainda tantas outras formas de capital: a natureza é uma forma de capital; o capital do conhecimento, com a moeda das idéias, leva à inovação; a tecnologia é uma forma de capital; a cultura é outra, com a moeda das histórias; a compaixão é uma forma de capital, sendo a sua moeda a bondade.

    Se nos focarmos mais neste capital, rasgando os nossos horizontes da visão estreita do dinheiro, podemos fazer inclinar o prato da balança no sentido de uma forma maior de amor.

    Heng Sure é um monge budista que usa a música como ferramenta de transformação. Quando lançou o seu CD, a questão com que se deparou era se deveria colocar-lhe um preço ou explorar outras formas alternativas de proveitos.

Eis o que diz o seu site: “Receita para fazer download do CD: realizar um acto de bondade de valor inestimável, escrever e enviar um reflexão sobre a sua experiência, veja o seu e-mail para fazer download do álbum”.

Recebeu centenas de contribuições. Imagine-se oferecer uma música a alguém e receber, em troca, um acto de bondade. Inestimável!

    A questão que se nos coloca é só uma: que formas de capital queremos desenvolver?

    Se formos capazes de alargar a nossa visão, as possibilidades são ilimitadas. Se usarmos o coração para colocar valor nas coisas, se usarmos a inteligência para investir de forma sábia no nosso maior capital, se usarmos as nossas mãos para projectar corajosamente a riqueza em toda a sua dimensão, estaremos a criar uma solução totalmente inovadora em direcção a uma humanidade mais próspera. Que as nossas mãos, mente e coração estejam alinhados com as formas mais amplas de capital.

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Texto editado pela redacção, com base numa TEDx Talk ocorrida na Penn State University

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