Mindfulness para professores

Patricia A. Jennings explica porque devem os professores cultivar uma atenção consciente sobre os pensamentos, as emoções e o meio envolvente.
Por Patricia Jennings | Paul Belford, Lda. (ilustração)
in Greater Good | 30 de março de 2016  ver artigo original
Ao longo dos meus 40 anos de educadora e investigadora, aprendi que os professores são normalmente pessoas extremamente altruístas e empenhadas a fazerem uma diferença positiva no vida das crianças. Porém, muitos deles não estão suficientemente preparados para enfrentar os desafios sociais e emocionais que se colocam hoje numa sala de aulas. Condições stressantes, como avaliações de conhecimentos ou alunos com problemas psicológicos sérios, podem levar-nos ao desencorajamento, à exaustão e, finalmente, ao abandono da profissão.
A maior parte da capacitação dos professores foca-se, principalmente, nos conteúdos académicos e na pedagogia, ignorando as exigências a nível social, emocional e cognitivo inerentes ao próprio ato de ensinar. Felizmente que o aprendizado e o desenvolvimento de capacidades de mindfulness – a habilidade de alguém se manter focado na experiência que se apresenta com uma consciência sem julgamentos – pode ajudar-nos a promover o ambiente calmo e descontraído necessários à aprendizagem dos alunos. O mindfulness pode ajudar-nos ainda a sermos mais eficazes no controlo dos conflitos e no desenvolvimento de melhores formas de relacionamento na sala de aulas, aumentando assim a nossa satisfação profissional.
Como pode o mindfulness fazer isto? Pelo treinamento da nossa mente para que esta se torne mais consciente das nossas experiências internas e externas e pela aprendizagem de como lidar com as nossas emoções.
No meu novo livro, Mindfulness for Teachers, realço várias práticas de mindfulness –  respiração focada, alargar o conhecimento, amor e bondade, entre outras – que podem ser usadas na sala de aulas, seja porque os professores pretendem apelar a um sentido de mindfulness na turma ou porque querem eles próprios tornarem-se pessoas mais mindful, isto num sentido mais geral. Estas práticas podem ajudar os professores a adquirirem uma presença mais mindful quando ela se faz mais necessária, permitindo-nos prestar melhor atenção ao ambiente académico e às necessidades dos nossos alunos.
Eis algumas das formas como o desenvolvimento de mindfulness nos pode ajudar a sermos melhores professores:
1. O mindfulness ajuda os professores a compreender melhor as próprias emoções
Por vezes noto quando estou a ensinar que tenho a mente tão focada sobre o que preciso fazer e como fazê-lo que deixei de prestar atenção ao momento presente. Fico amarrada às minhas expectativas sobre como as coisas devem ser em vez de notar e aceitar como elas são de facto.
Tudo isto causa angústia, fazendo com que fique emocionalmente mais instável, o que por sua vez afeta a minha percepção das coisas, deixando-me mais suscetível aos desafios. Posso achar, por exemplo, que um mau comportamento de um aluno é intencionalmente dirigido a interferir com o meu ensino, quando, de facto, trata-se de um ato normal de um jovem que precisa de ajuda no traçar de limites. Se tomar o seu comportamento como algo pessoal, corro o risco de perder a paciência e dizer alguma coisa que poderá piorar a situação.
A prática de mindfulness pode ajudar os professores a reconhecer os seus padrões emocionais e a controlar os respectivos comportamentos de forma proativa, permitindo-nos dar as respostas que queremos em vez de reagirmos de forma automática. E pode também ajudar-nos a desfrutar dos momentos positivos do nosso trabalho – o contentamento duma ligação com os alunos ou a alegria e excitação de um estudante quando se dá o click do saber.
2. O mindfulness ajuda-nos a comunicar melhor com os alunos
No meu primeiro ano de ensino não fazia ideia do que devia fazer para conseguir a atenção dos alunos ou como responder a problemas de mau comportamento. Tinha para mim que, desde que fosse simpática com eles, eles corresponderiam gostando de mim, querendo agradar-me e que fariam tudo o que eu quisesse.
Mas estava errada. Não tendo sido essa, de todo, a resposta que obtive, a minha frustração foi crescendo dia-a-dia ao ponto de me tornar impaciente e azeda com eles.
Um dia, uma supervisora veio observar a minha aula, tendo-me chamado a atenção para o seguinte: eu dizia “está bem?” no final de muitas das minhas instruções, dando-lhes assim a ideia que aquilo que eu lhes pedia era opcional. Não era, pois, de admirar que eles tivessem um comportamento tão irresponsável.
Depois dessa observação, comecei a estar atenta a esse meu mau hábito, o que me ajudou a perceber até que ponto uma atenção mindful dirigida à minha pessoa poderia ajudar-me a triunfar enquanto professora.
3. O mindfulness ajuda-nos a lidar com alunos mais difíceis
Todos os professores têm, nalgum momento, problemas relacionados com o mau comportamento de alunos. Uma consciência mindful ajuda-nos a dar atenção àquilo que pode estar a levar uma criança a comportar-se mal.
O mau comportamento prende-se, por vezes, com um contexto pouco apropriado ao estágio de desenvolvimento da criança; não podemos esperar, por exemplo, que alunos do pré-escolar fiquem sentados em silêncio a ouvir um adulto falar durante muito tempo; crianças que foram expostas a um trauma têm tendência a ser híper vigilantes, facto que consome uma série de recursos cognitivos e que pode levá-las a uma aprendizagem mais lenta ou a serem altamente sensíveis a mudanças de contexto.
A atenção consciente sem julgamentos é também um aspecto importante do mindfulness, pois envolve a aceitação das coisas como são no momento presente. Quando praticamos a consciência mindful pela primeira vez, notamos quase sempre como é difícil não julgar. Porém, à medida que nos observamos a nós próprios envolvidos em julgamento, tornamo-nos mais cientes disso, a mente começa a assentar e a nossa tendência para julgar acaba por se desvanecer.
A atitude de julgamento induz muitas vezes sentimentos de culpa e de vergonha. Por vezes, os professores julgam severamente os seus alunos, usando inconscientemente a culpa e a vergonha como técnicas de gestão das turmas (provavelmente porque também eles, quando crianças, aprenderam essas técnicas com os seus pais). Existem, no entanto, abundantes evidências de que esta abordagem não funciona. Em vez de encorajar o bom comportamento da criança, promove antes sentimentos de ressentimento, desconfiança e retaliação.
Reconhecer de forma mindful as nossas respostas emocionais em relação aos alunos pode-nos ajudar a compreender o porquê do seu comportamento. Se nos mostrarmos chateados, o comportamento será do tipo de chamar a atenção; se nos mostrarmos ameaçados, teremos uma demonstração de poder; se nos mostrarmos magoados, o comportamento será do tipo tentativa de vingança; e se nos mostrarmos desinteressados, o aluno provavelmente irá desistir. Estas emoções podem ajudar-nos a responder de uma forma mais acertada às questões subjacentes aos nossos alunos, fazendo-nos passar de uma apreciação de carácter negativo para um estado de compaixão.
4. O mindfulness ajuda-nos a preparar um ambiente de ensino positivo
Existe a ideia errada entre professores de que podemos e devemos controlar o comportamento dos nossos alunos. Tal coloca-nos numa disputa pelo poder, onde, muito provavelmente, as nossas tentativas de controlo vão acabar por se virar contra nós.
É, de longe, preferível criar e manter um ambiente de efetiva aquisição de conhecimentos, aprendendo para isso a nos controlarmos. Podemos controlar a forma como comunicamos, como nos comportamos e onde nos posicionamos fisicamente. Podemos criar e reforçar expectativas e limites. E podemos controlar o espaço físico da sala de aulas por forma a que ela seja um apoio ao estudo.
Um professor do pré-escolar meu conhecido não conseguia impedir que os seus alunos andassem a correr pela sala, mesmo depois de repetidos avisos, facto que o deixava muito desanimado. Mas, assim que ficou mindful do facto do mobiliário da sala estar disposto de uma forma que criava várias “pistas de corrida” e de ter presente que as crianças têm uma inclinação natural para correr em espaços livres, ele percebeu o que é que precisava ser feito: mudou a disposição das mesas por forma a bloquear as “pistas” e as crianças deixaram de correr.
Ter conhecimento do que se passa ao nível da turma e dos alunos é fundamental para conseguirmos criar dinâmicas socioemocionais e espaços físicos conducentes à aprendizagem. A prática da consciência mindful ajuda-nos a desenvolver a habilidade de prestar atenção ao momento presente e a aprender a ver o que está a acontecer realmente na sala de aulas, permitindo-nos encontrar melhores soluções para os problemas que detectamos.
5. O mindfulness ajuda-nos a fortalecer a nossa relação com os alunos
A investigação científica sobre qualidade na gestão das turmas aponta para a importância do relacionamento professor-aluno. Podemos criar grandes sistemas de como gerir uma sala de aulas, cheios de princípios e de limites, mas se os nossos alunos não tiverem confiança e respeito por nós ou acharem que nós não os respeitamos a eles, vamos estar perante grandes desafios.
Dar a cada aluno, individualmente, a nossa total atenção mindful, mesmo que por um curto espaço de tempo, transmite a cada um a mensagem: “Eu noto a tua presença”. Ao estabelecermos uma ligação individual aos alunos, estamos a dizer-lhes que os valorizamos enquanto indivíduos.
Uma vez que o objetivo da escola é a aprendizagem, tendemos naturalmente a assinalar às alunos a nossa valorização pelos seus desempenhos a nível académico. No entanto, temos que ser mindful quando vemos alunos apresentar atributos não académicos, como sentido para ajudar o próximo, capacidade para resolver problemas e conflitos, amizade e criatividade, e comunicar-lhes que esses são atributos que nós valorizamos igualmente. Os alunos sentem ligação aos professores quando se sentem notados e apreciados por eles.
6. O mindfulness ajuda-nos a baixar o ritmo quando é necessário
Por vezes, quando somos professores pouco experientes, ficamos demasiado preocupados em seguir o nosso plano de aulas e, inconscientemente, começamos a acelerar. Diminuir o ritmo e fazer uma pausa propositada para um momento de mindfulness dar-nos-á tempo para perguntarmos a nós próprios como nos sentimos, o que está a acontecer na sala e quais são as necessidades dos alunos no momento; e, ainda, serve de modelo de mindfulness para os alunos.
A velocidade a que cada aluno processa a informação é variável. Alguns processam a informação falada de forma muito rápida, enquanto outros têm uma tendência mais forte para a informação visual ou para a sensorial e motora. As crianças mais pequenas necessitam de mais tempo para processar informação do que as mais velhas, embora por vezes os adultos esqueçam este facto. Independentemente da idade, os alunos processam melhor a informação quando lhes é dado um pouco mais de tempo; criar propositadamente pausas ao longo das aulas ajuda o processo de aprendizagem.
Os professores tendem a esquecer-se demasiadas vezes de fazer uma pausa quando fazem uma pergunta ou de interromperem as pausas e hesitações dos alunos, não permitindo que estes pensem nas respostas. A pausa é algo que ajuda durante a lição (dando tempo ao aluno para absorver a informação e a afirmar o seu pensamento) e durante os períodos de estudo (dando um tempo, sem interrupções, para o aluno descobrir as coisas por si). Estas pausas são igualmente capazes de gerar sensações de suspense e de expectativa, capazes de animar a turma.
Se nos apressamos em razão da nossa ansiedade, podemos perder estas oportunidades de aprofundar a aprendizagem. O mindfulness pode ensinar-nos a saber esperar, a ser pacientes e a aplicar as nossas pausas de forma apropriada.
7. O mindfulness ajuda-nos a construir uma comunidade
Os alunos têm uma necessidade primária de pertencerem e contribuírem para uma comunidade. Enquanto professores podemos promover esse sentido de comunidade incrementando modelos de hospitalidade e de outros comportamentos pró-sociais, instituindo rotinas de acolhimento e uma auscultação mindful dos nossos alunos.
Para cultivar uma comunidade de estudantes podemos providenciar formas para que os alunos tenham a possibilidade de colaborarem e se ajudarem entre si (exemplo: ter grupos de alunos a trabalhar em conjunto, onde cada um tem um trabalho específico o qual contribui para o todo comum). A aprendizagem colaborativa dá aos alunos a oportunidade de se ajudarem mutuamente e de refletirem nas experiências e necessidades dos outros, o que promove empatia e dá uma perspectiva das coisas.
Uma outra forma de construir uma comunidade de alunos é através da implementação de projetos comuns de aprendizagem, onde as crianças trabalham em conjunto para devolver algo à comunidade. Tomar apontamentos de forma mindful sobre pontos fortes e desafios verificados em diferentes alunos pode ajudar os professores a fazer destes trabalhos partilhados oportunidades enriquecedoras de aprendizagem, ajudando a construir um clima positivo de ensino.
De todas estas formas, o mindfulness pode ajudar os professores a potencializar ao máximo as suas capacidades para fazerem sobressair o melhor nos seus alunos. Conseguir ter uma aproximação à sala de aulas com um sentido de calma e de compreensão e com a habilidade para intervir de forma apropriada pode fazer do ensino e da aprendizagem um prazer para todos.
Tradução de Raul C. Gonçalves
Sobre a autora:
Patricia A. Jennings é professora de educação na Universidade de Virgínia e autora do livro “Mindfulness for Teachers: Simple Skills for Peace and Productivity in the Classroom” (WW Norton, 2015)

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