A inspiração artística é contagiosa?

Um novo estudo tenta medir o impacto da leitura na criatividade e na motivação para escrever
Por Scott Barry Kaufman
in Scientific American | 29 de junho de 2016  ver artigo original
“O facto principal, final e incontornável é que as palavras de grande inspiração criam vida em nós porque elas próprias estão vivas”, escreveu o académico britânico Cecil Maurice Bowra, em 1955.
Teria ele razão? É a inspiração algo de contagioso? Inspiradoras obras de arte inspiram audiências a criarem trabalhos próprios? Existe uma longa tradição na história da humanidade que sugere que sim. Platão argumentou, uma vez, que a inspiração é transmitida à audiência pela Musa. Porém, curiosamente, só agora isso foi testado cientificamente.
Num estudo recente, Todd Thrash e equipa, pertencentes aos departamentos de psicologia do College of William and Mary e das universidades de Berkeley, Northeastern e Minnesota, levaram a cabo o primeiro teste alguma vez realizado sobre “inspiração por contágio”, usando a poesia para o efeito. Os investigadores detiveram-se nas qualidades específicas de um determinado texto e nas qualidades do leitor. Trata-se de um estudo bastante rico, com 36.020 intersecções, entre todas as variáveis! Eis, de seguida, o que de mais essencial foi apurado:
Quanto mais escritores dizem ter-se sentido inspirados enquanto escreviam, maior é número de leitores médios que se dizem ter sentido inspirados pelo que leram. E isto apesar do facto não ter havido qualquer contacto entre o leitor e o escritor, para além do texto em si! Tal como realçaram os investigadores “esta descoberta atesta o poder da palavra escrita enquanto veículo para a partilha dos pontos mais altos da experiência humana entre indivíduos separados entre si pelo tempo e pelo geografia.”
Quanto mais inspirados estiveram os escritores, mais um grupo independente classificou os poemas de profundos, agradáveis, originais e sublimes. No entanto, apenas aqueles considerados profundos e agradáveis tiveram um impacto positivo na inspiração do leitor médio. Na verdade, a originalidade teve mesmo um efeito negativo nesses leitores. Não está clara a razão para esse efeito negativo na transmissão de inspiração; uma possibilidade é que a originalidade produza desconforto no leitor médio, levando-o a ficar consciente sobre a separação entre escritor e leitor.
Os leitores mais abertos a novas experiências foram mais tolerantes ao novo e ao sublime. Quanto mais abertos, mais eles experienciaram a transmissão de inspiração; já quanto menos original e sublime era o texto mais difícil foi essa transmissão.
A inspiração do leitor não foi o único resultado da inspiração do escritor; também levaram a sentimentos de reverência e emoção do leitor médio. Estas sensações de encantamento foram transmitidas principalmente através da profundidade e sublimidade do texto. O que é interessante aqui é que tanto a ‘profundidade’ como a ‘sublimidade’ dificilmente correspondem a uma noção de verdade e beleza. Tal como realçaram os cientistas, “estas descobertas mostram um forte elo entre a resposta física do leitor e a motivação profunda do escritor, sugerindo como que uma ressonância orientada por uma percepção partilhada sobre o que é verdadeiro e sublime sobre a experiência humana.”
Enquanto que os poemas escritos por poetas que colocaram neles mais esforço foram também mais inspiradores para o leitor, esse esforço não antecipou qualquer outra emoção no leitor.
Estas descobertas sobre inspiração por contágio têm grandes implicações. Em primeiro lugar, para os aspirantes a escritores. Muitos consideram a perspectiva de escrever como algo assustador, principalmente porque está assumido que uma boa escrita requer trabalho árduo e absoluta originalidade. Visto desta forma, de facto, a escrita parece uma coisa assustadora!
No entanto, este estudo sugere que a boa escrita é mais como falar, é uma expressão de um estado interior de ser. Talvez a melhor forma de inspirar os escritores é estes olharem para a escrita como um veículo para capturar e expressar insights pessoais. Estas percepções podem ser de grande valor e inspiração para o leitor, dependendo da percepção de como elas são entendidas como originais ou fruto de um grande esforço. Tal como disse Tolstoi:
“As pessoas são ensinadas a escrever muitas páginas, sem terem nada que desejem dizer, sobre um tema sobre o qual nunca pensaram… Isto é ensinado nas escolas.”
Gosto particularmente da metáfora usada pelos investigadores do si-mesmo autor: “O autor confronta uma página em branco, sem estar certo do que dizer, e o si-mesmo debate-se com um futuro por escrever (…) Ambos encontram a voz quando inspirados e, finalmente, o si-mesmo autor fala com autoridade e autenticidade.”
A escrita com inspiração fala a partir de uma verdade profunda da pessoa que a escreve, a qual é, frequentemente, uma verdade na qual muitos encontram eco. Enquanto escritores, há que não olhar para a escrita como uma atividade separada de tudo o resto, mas antes como uma expressão do mais profundo si-mesmo e de suas experiências existenciais.
Existem, igualmente, implicações de inspiração por contágio em relação à espiritualidade e seus textos sagrados, à transmissão académica e à comunicação interpessoal. Somos frequentemente inspirados por pessoas que dizem coisas que nós sempre quisemos dizer, mas que nunca conseguimos porque nos faltava a linguagem para as expressar. A inspiração por contágio pode igualmente desempenhar um papel tanto na origem como na evolução da cultura.
Naturalmente, que o artista não pode ser separado da arte. Esperemos, pois, ver em breve mais investigação sobre este assunto.
Tradução de Raul C. Gonçalves

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