Por David Gelles* in The New York Times | 19 de Março de 2016
Acordei e fui fazer um chá Mindful Lotus (6 dólares por 20 saquetas). No metro, carreguei a app Headspace no meu iPhone e fui seguindo o exercício guiado de mindfulness (13 dólares por mês, versão premium). No final do dia fui até ao Mndfl, um estúdio de meditação em Greenwich Village (20 dólares por uma sessão de 45 minutos).
Por esta altura, parece que todo a gente vai às cavalitas do mindfulness, uma forma popular de meditação. Os Golden State Warriors (basketball), os Seattle Seahawks (futebol americano) e os Boston Red Sox (baseball), todos praticam agora mindfulness no vestiário. Após a Google ter começado a ensinar esta prática aos seus funcionários, empresas cinzentas como a McKinsey e a BlackRock começaram a fazer o mesmo.
A oferta ao consumo é igualmente prolífica. Existem atualmente mais de duas dúzias de apps sobre mindfulness para smartphones, algumas delas oferecem subscrições para toda a vida por 400 dólares. O “The Great Courses” tem dois pacotes de mindfulness, cada um com uma dúzia de DVD por 250 dólares. Para o empreendedor contemplativo nunca foi fácil fazer uns trocos.
Perante tudo isto, devemos estar diante de boas notícias. Afinal de contas, o que é que há de errado em as pessoas abrandarem, entrarem em contacto com as suas emoções e serem bondosas? Eu próprio, enquanto praticante esporádico de meditação, sei por experiência própria que o mindfulness pode aliviar o stress, melhorar a concentração e promover o bem-estar. E neste período eleitoral tão carregado, bem que poderíamos usar todos um pouco mais de paz, amor e compreensão.
Mas com tanto dinheiro envolvido nesta moda de meditação, é difícil não nos interrogarmos se não haverá alguma coisa de importante que se estará a perder. Se o mindfulness pode ser adquirido tão facilmente quanto um par de calças de ioga Lululemon, poderá então a sua prática ser realmente tão transformadora, capaz de acalmar uma mente inquieta? Eis uma questão tão escorregadia quanto uma koan Zen.
Não há dúvidas de que à medida que o mindfulness se tornou popular, imensa gente tem usado a técnica para atingir paz de espírito, maior consciência de si, até talvez mais compaixão. No entanto, ao mesmo tempo, um nivelamento por baixo parece estar em curso.
Vamos passar por cima de todo um mar de companhias coladas ao “apelido” mindful – temos as Mindful Meats (carnes), os Mindful Mints (chá de hortelã) e a Mindful Supply Company (fabricante de T-shirts). Ainda recentemente um amigo meu pintou o quarto da filha de “cinzento mindful”. Mais perturbador é o afã de fazer do mindfulness algo que encaixe perfeitamente em formas de vida que se movimentam à velocidade da net.
Cada vez mais, o mindfulness é vendido como uma pausa breve, um interlúdio entre checar o Instagram e ver o episódio seguinte de “House of Cards”. Uma empresa anunciou ter encontrado “a dose mínima necessária” de mindfulness que fará mudar as nossas vidas. Na Amazon, pode-se encomendar “One-minute Mindfulness: 50 simple ways to find peace, clariny and new possibilities in a stressed-out world” (Mindfulness num minutos: 50 maneiras simples para encontrar paz, clareza e novas possibilidades num mundo com stress). Duvidosos cursos estes que prometem ajudar as pessoas a “dominar o mindfulness” em algumas semanas.
A IBISWorld, uma empresa de estudos de opinião, calcula que os negócios que giram à volta da meditação nos Estados Unidos tenham gerado no ano passado 984 milhões de dólares. Com tantos produtos e serviços mindful à venda é fácil esquecer que mindfulness é uma qualidade de ser, não uma peça de mercadoria.
“Não basta comprar o produto certo para se ser mindful”, diz Dan Harris, um apresentador da ABC news, que conta sobre a sua hesitação em abraçar o mindfulness no livro “10 Percent Happier” (10 por cento mais feliz). “O mindfulness é uma prática, prática essa que vale a pena fazer”.
Isto é, ninguém pode simplesmente comprar mindfulness. No seu contexto histórico, o mindfulness é apenas um aspecto de uma jornada de vida para se ser mais tolerante, menos crítico e mais bondoso para connosco e para com os outros. Mesmo na sua encarnação moderna, o mindfulness é melhor compreendido como uma valência, uma capacidade adquirida através de horas de contemplação por vezes inconfortáveis.
Mas, enfim, talvez seja pedir demais numa era de dietas radicais e de abdominais instantâneos.
Quando consideramos o futuro do mindfulness no mercado norte-americano, poderá ser elucidativo olhar para a evolução do ioga. Tal como o mindfulness, o ioga tem as suas raízes na Índia; foi praticado durante décadas por dedicados entusiastas antes de se ter popularizado. Mas à medida que foi crescendo em popularidade, foi sofrendo as mais estranhas mutações. Hoje temos o ioga nu, o SUP ioga (numa prancha de paddle) e o doga (ioga feito enquanto segura o seu cão (dog)). Também o ioga se tornou um negócio multimilionário, dando à luz empresas de vestuário como a Lululemon, uma grande indústria de estúdios e de formação de professores e de um conjunto de bric-a-brac para ioga.
Kaitlin Quistgaard, ex-editora do Yoga Journal, conta sobre o crescimento, frequentemente bizarro, do ioga. Diz ela que enquanto os puristas se torciam todos por causa da comercialização (do ioga), os seus lamentos eram em vão. Deixado à solta no mercado norte-americano, o ioga adquiriu vida própria. Agora, diz ela, o mesmo está a acontecer com o mindfulness. “Ninguém pode decidir quem pode vender ou usar mindfulness para vender um produto”, diz Kaitlin Quistgaard.
Embora isto possa resultar em menos sinal e mais ruído, não significa que o mindfulness não possa ainda assim ser benéfico. O ioga pode ter vindo a mudar ao longo dos anos, mas ainda há uma imensidade de professores dedicados e de ashrams que podem ser encontrados. A mesma dinâmica vai muito provavelmente acontecer com o mindfulness. Estranhas variações de mindfulness irão proliferar, enquanto bolsas de professores tradicionais vão resistir.
Até mesmo ações aparentemente superficiais podem ser úteis, ou pelo menos benignas. Joe Burton, C.E.O. da Whil, empresa responsável por uma app bastante popular, é taxativo em afirmar que só porque o mindfulness é transmitido em online a preços cada vez mais elevados, isso não o torna ineficaz ou menos autêntico. “Ninguém pode vir à nossa formação sendo um egoísta ganancioso e esperar tornar-se num egoísta ganancioso melhor”, diz Burton.
E, provavelmente, terá razão. Nos últimos anos, tenho entrevistado centenas de praticantes de meditação e muitos empresários da esfera do “Mindfulness, Lda.” Na verdade, alguns pareciam mais interessados em penetrar o florescente circuito social da meditação do que propriamente no esforço árduo da introspecção.
Contudo, na maior parte dos casos, as pessoas que eu conheço que meditam – observando atentamente pensamentos, emoções e sensações – são sinceras nas suas aspirações de se tornarem menos stressadas, mais tolerantes e, pelo menos, um pouco mais felizes.
E no entanto, tentações para mimar o materialismo espiritual abundam. Numa recente ida ao (supermercado) Whole Foods, junto a prateleira do kombucha (tipo de chá) dei com um novo produto do fabricante de comida saudável Earth Balance: um substituto de maionese chamado Mindful Mayo (4,50 dólares o frasco). De seguida, em caminho, peguei a Mindful magazine (6 dólares).
Paguei-os e dirigi-me à saída. Não há nada de errado em comprar produtos rotulados de mindful. Vivemos numa cultura consumista e eu prefiro gastar o meu dinheiro em comida saudável e em guias de autoajuda do que em junk food e bisbilhotices.
Mas quando cheguei a casa, resolvi fazer mais do que simplesmente apoiar o mindfulness com a minha carteira. Escolhi um momento tranquilo, pus de lado o iPhone e fechei os olhos para meditar. Não chega comprar mindfulness, é preciso praticá-lo também.
*David Gelles é repórter do The New York Times e autor do livro “Mindful Work: How Meditation Is Changing Business from the Inside Ot