Cientista de Harvard diz que meditação não reduz apenas o stress, também modifica o cérebro
Por Brigid Schulte
in The Washington Post | 26 de maio de 2015
Sara Lazar, neurocientista do Massachussetts General Hospital e da Harvard Medical School, foi uma das primeiras cientistas a debruçar-se sobre os alegados benefícios da meditação e do mindfulness e a elaborar testes em scanner cerebral. O que encontrou, surpreendeu-a: a meditação pode, literalmente, modificar o cérebro. E explica como.
Porque razão começou a investigar a relação meditação, mindfulness e cérebro?
Eu e uma amiga minha andávamos a treinar para a maratona de Boston. Como sofria de algumas lesões resultantes de correr, fui consultar um fisioterapeuta, o qual me mandou parar de correr e fazer apenas alongamentos. Comecei a praticar ioga como forma de fisioterapia e fui-me apercebendo de como isso era poderoso, como era realmente benéfico… acabei por me interessar em saber como é que funcionava.
A professora de ioga apregoava todo o tipo de coisas: que o ioga aumentava a nossa compaixão e abria-nos o coração. E eu pensava para comigo: “pois, pois… mas eu estou aqui para alongar.” Porém, comecei a notar que andava mais calma, que me sentia mais capaz de lidar com situações complicadas, sentia mais compaixão e um coração mais aberto e estava mais capaz de olhar para as coisas do ponto de vista dos outros.
Pensei que tudo não passasse de um efeito placebo. Entretanto, fiz uma pesquisa em literatura científica sobre o assunto e encontrei indícios de que a meditação tinha sido associada à diminuição de stress, depressão, ansiedade, dor e insónia, acompanhada de um aumento da qualidade de vida.
Nessa altura, eu estava a fazer o meu PhD em biologia molecular. Acabei por mudar de tema e levei a cabo esta investigação como um pós-doutoramento.
Como é que fez a investigação?
O primeiro estudo olhou em termos de longo prazo para meditadores versus grupo de controlo. Verificamos nos meditadores com muitos anos de prática um aumento da matéria cinzenta na ínsula e nas regiões sensoriais – no córtex auditivo e sensorial. O que faz sentido! Quando estamos com atenção plena, ficamos atentos à respiração, aos sons, ao experienciar do momento presente e “desligamos” a cognição. É razoável assumir que os nossos sentidos são amplificados.
Também encontramos um aumento da matéria cinzenta no córtex frontal, o qual está associado à memória operacional e às decisões executivas.
Está perfeitamente documentado que o nosso córtex encolhe à medida que envelhecemos – tudo se torna mais difícil de perceber e de lembrar. No entanto, nesta região do córtex pré-frontal, meditadores de 50 anos de idade tinham a mesma quantidade de massa cinzenta do que jovens adultos de 25 anos.
A primeira questão que nos colocamos foi se as pessoas do estudo que evidenciavam ter mais massa cinzenta, já não a teriam antes de começarem a meditar. Portanto, fizemos um segundo estudo. Escolhemos pessoas que nunca tinham meditado e colocamos uma parte delas num programa de 8 semanas de redução do stress através de mindfulness (MBSR).
E o que encontraram?
Comparando os dois grupos, após oito semanas encontramos diferenças no volume do cérebro em cinco regiões diferentes. No grupo que aprendeu meditação verificamos um aumento da espessura em quatro regiões:
– A principal diferença ocorreu no córtex cingulado posterior, o qual está envolvido no vaguear da mente e na relevância da memória;
– No hipocampo esquerdo (cognição, memória e regulação emocional);
– Na junção temporal parietal (associada à perspectiva pessoal, à empatia e à compaixão);
– Na área no tronco cerebral chamada ponte de Varólio, onde se produzem uma série de funções regulatórias dos neurotransmissores.
E na amígdala, parte do cérebro responsável pela função “lutar ou fugir”, importante na ansiedade, medo e stress. Esta área diminuiu no grupo sujeito ao programa MBSR.
A mudança verificada na amígdala mostrou-se igualmente relacionada com uma redução do nível de stress.
Quanto tempo é que alguém tem que meditar até começar a notar mudanças no seu cérebro?
Os nossos dados mostram mudanças após apenas oito semanas. No programa MBSR, os sujeitos objeto do nosso estudo tiveram práticas semanais. Foi-lhes fornecido uma gravação e pediu-se-lhes que praticassem em casa, diariamente, durante 40 minutos. E foi tudo.
Portanto, 40 minutos por dia?
Bem, isso foi altamente variável no estudo. Algumas pessoas praticaram durante 40 minutos todos os dias, outras menos e outras ainda apenas um par de vezes por semana. No estudo, a média foi de 27 minutos por dia.
Por agora, ainda não dispomos de dados suficientes sobre quanto tempo é necessário praticar até alguém começar a sentir resultados. Os professores de meditação poderão responder melhor a essa pergunta – embora não exista qualquer base científica disponível -; mas a ideia empírica entre os alunos sugere que dez minutos por dia poderá trazer algum benefício subjetivo. Precisamos de testar isso.
Estamos a começar um estudo, o qual irá permitir-nos – esperamos nós – perceber qual é o significado efetivo dessas mudanças. Estudos levados a cabo por outros cientistas têm mostrado que a meditação pode ajudar a reforçar as capacidades de atenção e de moderação emocional. Mas a maior parte desses estudos não recorreram a neuroimagens. Neste momento, estamos esperançados em conseguir juntar as ciências do comportamento com a neuroimagiologia.
De acordo com o seu conhecimento científico, que conselho daria ao nossos leitores?
O mindfulness é como um exercício físico – na verdade é uma forma de exercício mental – e tal como o exercício melhora a saúde, ajuda a lidar melhor com o stress e promove a longevidade, a meditação pretende conferir alguns destes benefícios.
No entanto, tal como o exercício físico, a meditação não consegue curar tudo. Portanto, a ideia geral é que ela é importante como terapia complementar, não como terapia única. Tem sido testada em muitas outras disfunções e os resultados são extremamente variáveis: impacta nalguns sintomas, mas não em todos; os resultados são por vezes modestos; e não funciona com toda a gente. Ainda estamos muito no início para perceber o seu verdadeiro alcance.
Tendo presente essas limitações, o que sugere?
Parece ser proveitosa à generalidade das pessoas. O mais importante, quando se vai experimentar, é procurar um bom professor, porque a meditação é simples, mas ao mesmo tempo complexa. Há que perceber o que está a acontecer na nossa mente. Um bom professor é fundamental.
No seu caso, medita? Tem um professor?
Sim e sim.
Que diferença é que isso tem na sua vida?
Há já vinte anos que pratico, portanto tem tido uma profunda influência na minha vida. Dá-me muita estabilidade, reduz o stress e ajuda-me a pensar com mais clareza. É ótimo ao nível do relacionamento interpessoal e faz-me sentir mais empatia e compaixão com as pessoas.
Como é a sua prática?
Varia muito. Uns dias 40 minutos, outros dias cinco, às vezes nada – é muito parecido com o exercício físico. Praticar três vezes por semana é ótimo, mas se apenas te é possível fazer um bocadinho todos os dias, também está bem. Estou certa que se praticasse mais, beneficiaria mais. Não faço ideia se o meu cérebro se está a modificar ou não. Isto é, simplesmente, o que funciona comigo neste momento.
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