Ao notarmos e tomarmos conhecimento dos nossos padrões mentais, estamos a libertar-nos das amarras do automatismo.
Por Ed Halliwell
in Mindful.org | 17 de setembro de 2015
O que nota quando pratica meditação? A maioria das pessoas apercebe-se de que a mente não permanece quieta. A atenção é desviada, repetidamente, para pensamentos, emoções, sons, imagens, odores – para todos os lugares menos para onde pretendemos levá-la. É tentador ver isto como um problema que a prática de mindfulness irá corrigir – se nos treinarmos a voltar atrás, não será expectável conseguir, em breve, focarmo-nos com mais facilidade?
Talvez. Mas também pode acontecer outra coisa. Se você descobriu que não controla totalmente a sua mente, talvez valha a pena perguntar-se: Como é que eu sei isto? Como é que me apercebi que a minha mente está distraída? Como é que consigo trazê-la de volta? Para conseguir notar que a mente andou a divagar, e ser capaz de conduzi-la de volta à atenção, deverá haver algo maior do que essa mente, uma perspectiva mais alargada capaz de observar a distração. Essa perspectiva mais ampla é a consciência.
A consciência consegue ver o panorama completo. Com ela, podemos experienciar a vida através de uma visão mais alargada. Poderíamos ser levados a considerar como algo negativo notar o divagar da mente. Porém, é precisamente o contrário. O facto de sermos capazes de ter essa percepção significa que nos estamos a abrir a uma consciência mais ampla. É verdade que na prática de mindfulness desenvolvemos a capacidade para estar presentes com maior tranquilidade, estabilidade e resistência. Mas com consciência, conseguimos descobrir uma forma de ser que não esteja presa à confusão reativa de pensamentos, sensações e impulsos, mesmo quando a atenção é arrastada para aí.
Imagine uma vaca, confinada num terreno muito pequeno, limitado por uma vedação. Com pouco espaço, o animal sente-se preso, não consegue mexer-se livremente, provavelmente sentir-se-á claustrofóbico, talvez mesmo irritado ou com medo. Imagine agora que o terreno se tornou maior – a vedação recuou e existe agora mais espaço para o animal andar à vontade. As chances são de que a vaca esteja muito mais feliz.
Ao abrirmo-nos à consciência, estamos a alargar o campo da percepção. Sem necessidade de tentar mudar a mente, este espaço alargado que oferecemos pode trazer libertação. Em vez de permanecermos presos em pensamentos, sensações e reações, encontramos espaço para respirar. Encontramos um espaço onde podemos ver o que está a acontecer. Tal como é mais fácil cuidar da vaca num campo mais amplo, também é mais fácil lidar com a mente-errante no espaço alargado da consciência.
Não precisamos tentar fazer com que a consciência aconteça. Ela emerge naturalmente da nossa vontade consciente em nos libertarmos dos padrões automáticos de pensamentos, sentimentos e reações, tal como acontece quando praticamos meditação.
Somos chamados de volta à consciência sempre que notamos que a mente se dispersou. Cada notar e cada voltar atrás acontecem, inevitavelmente, em consciência. A partir desta perspectiva, o divagar da mente não é um problema – na verdade, notar significa que estamos a começar a ver, mais nitidamente, os nossos padrões habituais de percepção. Com consciência, começamos a notar que os pensamentos são apenas pensamentos, sensações apenas sensações, imagens apenas imagens e sons apenas sons. Podemos optar por tomar isto como as bases para interpretar o mundo, decidindo experienciá-las como fenómenos interessantes, ao nível do corpo e da mente.
Ao notar e tomarmos conhecimento sobre os nossos padrões, estamos a desembaraçar-nos da teia do automatismo. Este processo acontece, normalmente, de forma gradual. Precisamos de alertas, uma e outra vez, para regressar à consciência. Estes despertadores estão incorporados na prática de mindfulness: com o tempo, à medida que treinamos o notar e o trazer de volta à experiência, conseguimos passar de um estado inconsciente de hábitos para um estado de visão clara. Esta mudança deve ser deixada acontecer gentilmente – uma coisa de cada vez.
Tradução de Raul C. Gonçalves