Por Andrea Pereira
in Mindmatters magazine No. 4
A pergunta é uma provocação. Ao pesquisar sobre a reciclagem para este artigo da Mindmatters encontrei uma publicidade que afirma que ser mindful é no fundo… reciclar. E será?
Na prática do mindfulness toca-se por vezes a experiência da totalidade, a percepção de que participamos todos de uma mesma consciência viva e comunicante. No entanto, ao olhar desatento isso poderá ser uma grande fantasia perante a realidade tão diversa; mas a física confirma esta experiência de unidade/totalidade: do mais pequeno átomo ao multiverso somos sistemas dentro de sistemas, todos eles repletos de informação e comunicantes entre si. A unidade torna-se óbvia quando algo começa a falhar e os sistemas, interligados entre si, começam a colapsar como um relógio suíço com uma das suas roldanas encravadas. A grande crise ambiental que atravessamos é prova disso. As acções de alguns provocaram um desequilíbrio profundo no nosso ecossistema perigando os diferentes níveis da nossa realidade: quer em termos de saúde, com o ar cada vez mais poluído são cada vez mais as doenças respiratórias, quer nos sistemas agrícolas que alimentam o mundo, quer nas alterações climáticas que obrigam a vagas migratórias cada vez mais comuns, quer na quase total extinção de espécies cujos papéis no ecossistema não podem ser substituídos, quer nos oceanos povoados pelo plástico, na água contaminada a sair pelas nossas torneiras. A lista é interminável. Todos estamos contaminados.
Felizmente o grande plano afecta os planos menores e vice-versa. Assim, por mais pequena que seja a nossa acção, cada um de nós tem um papel a cumprir nas escolhas que faz, que devem ser conscientes, porque qualquer que seja o tema, trata-se sempre de um “mindmatter”.
De acordo com o Instituto de Responsabilidade Climática (Climate Accountability Institute) os grandes poluidores no planeta são os 100 maiores produtores de combustíveis fósseis do mundo e as indústrias a elas associadas. Estes são responsáveis por 71% das emissões de gases com efeito de estufa. À nossa volta, vemos petróleo e derivados em tudo o que é lado: desde a nossa viatura automóvel e os seus componentes, ao plástico, à cosmética, aos pesticidas. Estes são apenas os cem maiores poluidores, obviamente que há muitos outros. Mas imaginem o impacto que estas empresas e indústrias teriam se mudassem o seu rumo da noite para o dia, de como o planeta se regozijaria.
Naturalmente que a nossa acção no dia-a-dia em prol de um melhor ambiente seria a de não alimentar estas indústrias, começando pelo menor uso do carro, andando mais de transportes públicos, usando os sites de carpooling, optando pela bicicleta, evitando o plástico, optando por uma alimentação isenta de pesticidas com químicos de síntese (Sim, também levam petróleo!), escolhendo uma cosmética biológica.
Diminuir o lixo que produzimos
passa por diminuir o consumo
de produtos que vão demorar
milhares de anos a desintegrar-se,
contaminando o ecossistema
Outra forma de não alimentar estas indústrias exploradoras das matérias-primas fósseis e minerais é a reciclagem. Ao reciclarmos uma tonelada de plástico estamos a prevenir a utilização de 130kg de petróleo. Tendo em conta que cada um de nós produz 40.000kg de lixo numa vida inteira (em média) e no final de cada ano cerca de 500kg de resíduos.
De acordo com o site da Sociedade Ponto Verde cerca de 67% dos lares portugueses recicla. Mas se fizer o exercício de olhar ao seu redor e tentar perceber quantas pessoas conhece que não reciclam, a sua estatística será tão positiva? Eu já vou em quase duas mãos cheias. Passando esse pormenor, faça outro exercício: quantas pessoas conhece que sabem reciclar? Talvez não tenha mãos para as contar!
Numa visita ao site da Sociedade Ponto Verde fiquei verdadeiramente constrangida. Achava que me esforçava para reciclar como “deve ser” para perceber que estava mesmo aquém; afinal havia uma quantidade enorme de coisas que eu achava que se podiam reciclar e que fazem parte do lixo comum: caixas de plástico ou “tupperware”, cotonetes, fio dental, panelas, copos de vidro, tabuleiros pirex, copos, canecas, pratos, caixas de pizza que contenham vestígios de gordura, guardanapos, caixas de CD, cápsulas de café, as colheres de plástico dos gelados… uma lista interminável! A maior parte do lixo produzido vai mesmo para o indiferenciado e de acordo com a Sociedade Ponto Verde, essa questão terá que ver com os diversos componentes dos diferentes materiais, que se fundem a distintas temperaturas complexificando o sistema de triagem e de reciclagem.
Assim, diminuir o lixo que produzimos passa por diminuir o consumo desses produtos que vão demorar milhares de anos a desintegrar-se, indo muitas vezes parar não apenas aos aterros, o seu destino comum, mas também aos oceanos, às praias, às serras, matas e aos rios penetrando os ciclos da natureza, contaminando o ecossistema, talvez devido àqueles que fazem das matas, praias e margens dos rios contentores ao ar livre ou aterros espontâneos.
Conhecer o que é reciclável e aumentar a nossa capacidade de reciclar é fundamental para facilitar todo o processo. Assim devemos perceber exactamente o que vai para cada ecoponto (amarelo, verde, azul e castanho), conhecer a existência dos ecocentros, (sítios que recebem computadores, lâmpadas, grandes eletrodomésticos, móveis, óleos, etc.) e outros centros de recolha, tais como a Ecopilhas, a Amb3E para recolha de lâmpadas, eletrodomésticos e pilhas, a Valorpneu para recolha de pneus e a Valorcar para recolha de equipamentos relacionados com veículos.
Se conhece pessoas que não reciclam sabe qual é o argumento mais comum: ”Ora, nada disso é reciclado, eles misturam isso tudo”. De acordo com a Sociedade Ponto Verde o ciclo é bastante claro: depois de os consumidores cumprirem o seu papel de separação de resíduos, os municípios recolhem e passam o testemunho à sociedade Ponto Verde onde é feita a triagem e a devolução das embalagens aos respectivos fabricantes. Parece um sistema simples e se todos cumprirem o seu papel, fácil de executar. Para saber como o seu concelho trata dos resíduos pode pesquisar também no site da Sociedade Ponto Verde.
Mas haverá vantagens em reciclar? De acordo com esta instituição há diferentes vantagens: economizar energia, pois a reutilização da embalagem e a sua reciclagem despendem menos energia do que fazê-la de raíz, logo há uma menor emissão de gases de efeito de estufa; poupança das matérias-primas virgens ao usarmos matérias-primas secundárias e diminuição da extracção de madeira, petróleo e minérios. No site pode ler-se “a reciclagem do plástico contribui para uma diminuição do consumo de petróleo; a reciclagem das embalagens de metal permite poupar no uso de minérios; a utilização de vidro reciclado na produção de novas embalagens poupa os leitos dos rios de onde são retiradas as areias para produzir este material; a produção de papel reciclado consome menos energia e água que a produção a partir de fibra vegetal e a reciclagem de embalagens de madeira evita o abate de árvores”. Finalmente, quanto mais reciclarmos menor fica a pilha de resíduos nos aterros sanitários, evitando a criação de novos aterros.
Reciclar é complicado? Outro dos obstáculos à reciclagem são alguns dos mitos que existem que desmotivam a prática de separação de resíduos, como por exemplo a ideia de que é necessário lavar as embalagens antes de as colocarmos no contentor; mas não, antes de serem recicladas as embalagens passam por um processo de lavagem industrial e como tal não é preciso fazer esse trabalho em casa. O importante é, e passo a citar, que “escorra bem todo o conteúdo e espalme as embalagens. Com isto, além de ocupar menos espaço em casa e no contentor, também diminui o número de deslocações ao ecoponto.” No caso das garrafas de plástico depois de as espalmar volte a colocar a tampa. Outro obstáculo é a quantidade de recipientes necessários para a separação. Se não quiser ter quatro caixotes diferentes em casa, tenha apenas dois, um para o indiferenciado e outro para a reciclagem geral, fazendo a separação quando for aos contentores.
No ecoponto amarelo coloca-se tudo o que são embalagens de plástico e metal, vazias, assim como as embalagens de líquidos como os pacotes de leite ou sumos! Também cabem neste contentor os cabides de plástico e metálicos, os aerossóis, as embalagens de alumínio, as caricas, os copinhos de metal das velas, os dispensadores, a esferovite, os vasos de plástico, os talheres e copos descartáveis.
E depois? O plástico e o metal ganham nova vida O plástico serve para a produção de fibras têxteis, sacos de ráfia, peças para automóveis e electrodomésticos, material hospitalar, vasos, tubos para canalização, mesas de jardim entre outras utilidades. No caso dos metais, o aço e o alumínio reciclados dão origem a bicos do fogão, esquentadores, infra-estruturas e até automóveis.
No ecoponto Azul coloca-se apenas folhas (sem agrafos), cartão (sem gordura), embalagens de cartão, sacos de papel e respetivas asas, interior dos rolos de papel, envelopes, listas telefónicas, caixas de mudanças, caixas de fósforos, maços de tabaco e papel de embrulho.
E do papel nascem… Jornais, caixas e embalagens de cartão, papel higiénico, rolos de cozinha.
Conhecer o que é reciclável
e aumentar a nossa capacidade
de reciclar é fundamental
para facilitar todo o processo
No ecoponto verde coloca-se tudo o que for garrafas e frascos (sem tampas), frascos de perfume (mesmo com o dispensador, a não ser que seja fácil de retirar), os frascos das especiarias.
O vidro tem a vantagem de poder ser reciclado eternamente. Quase todo o vidro existente tem uma parte reciclada! Garrafas, boiões, entre muitos outros objectos também eles recicláveis.
No ecoponto indiferenciado coloca-se o que não é reciclável e que como tal devemos diminuir o consumo: agrafos, baldes, brinquedos, caixas com gordura, guardanapos, caixas de CDs, cassetes, Cd’s, cápsulas de café (as que não podem ser devolvidas à loja), alfinetes, baldes, tupperwares, caixas de brinquedos duráveis (de plástico) e caixas de jogos de computador, canetas, clips, copos, espelhos, pratos, etiquetas, isqueiros e muitos outros resíduos.
Infelizmente é no caixote do indiferenciado que temos o maior problema. É este que vai poluir o ambiente. Assim, fica a questão: como podemos diminuir a nossa produção de lixo indiferenciado?
Compostagem – transformar o orgânico em alimento para a terra. Para quem tem plantas em casa, um terraço, um jardim, é uma boa ideia ter um compostor para transformar o lixo orgânico e os guardanapos em húmus para alimentar a terra. Há a compostagem comum, que não é muito prática se não se tiver um espaço considerável em casa, e há a vermicompostagem que se consegue com maior simplicidade, pois as minhocas fazem todo o trabalho de decomposição da matéria orgânica num recepiente pequeno, o vermicompostor, que hoje em dia se consegue adquirir já com alguma facilidade. A grande vantagem é que se pode ter um vermicompostor em casa, não tendo com esta opção qualquer problema com os cheiros.
Quanto aos restantes itens é fundamental começarmos a mudar alguns hábitos. Num vídeo que circulou no Facebook, David Attenbourgh denunciou a triste realidade de que hoje em dia há pássaros que alimentam as suas crias com cotonetes que apanham no oceano. A imagem é triste e a culpa é apenas do ser humano. O cotonete é um dos quatro resíduos mais comuns nas praias, os outros são os microplásticos, bolinhas muito pequeninas que se confundem com a areia (lembro-me de brincar com estes microplásticos em criança), beatas de cigarro e palhinhas. Ou seja, é urgente diminuir o consumo do plástico, principalmente dos cotonetes e das palhinhas, sendo que hoje em dia já se encontram estes objetos em cartão. Os pensos higiénicos, tampões e fraldas não são recicláveis. Há já alternativas ecológicas no mercado como são exemplo os copos menstruais e as fraldas reutilizáveis. O vídeo que se segue pode dar uma ajuda! Lauren Singer resolveu deixar de produzir lixo e conseguiu algo fantástico: passados quatro anos após a sua decisão, todo o lixo que ela produziu cabe dentro de um frasco! Ela ajuda-nos a ter uma perspectiva melhor sobre o nosso futuro possível. Veja aqui Why I live a zero waste life.
Ser mindful também pode ser reciclar. É ter a consciência de que uma acção desencadeia uma consequência que interfere não só com a nossa realidade, como também com uma realidade maior, e que interconectadas, estas se querem a funcionar em equilíbrio, numa retroalimentação saudável e sustentável. É só fechar os olhos e perceber como sabe bem ser útil para o bem maior. ●