Instituto Mindfulness cria programas para professores em Portugal

Um estudo recente indicou que 30% dos professores portugueses se encontravam em situação de “burnout”, e entre 20% a 25% apresentavam queixas de stress, ansiedade e depressão. Como pode um professor aplicar mindfulness na sala de aula? Por onde deve começar?
Joana Carvalho, responsável pela área de Educação no Instituto Mindfulness, responde a estas e a outras perguntas, em entrevista exclusiva para a Mindmatters magazine.

Por Ethel Feldman
in Mindmatters magazine  ver artigo original

Tem-se verificado um interesse crescente pela utilização das abordagens baseadas no mindfulness em contexto educacional, especialmente nas que são dirigidas aos alunos. Estas intervenções configuram-se como um caminho essencial para a promoção da saúde e bem-estar dos mais jovens, estando associadas ao aumento de comportamento pró-sociais, à redução de problemas de comportamento e à melhoria dos resultados académicos.
Segundo Joana Carvalho, ao professor pede-se que disponibilize a todos os alunos suporte emocional, promova um ambiente de sala de aula acolhedor e estimulante, seja um modelo na regulação das emoções, oriente os alunos em situações de conflito com sensibilidade e sensatez, tenha uma gestão eficaz dos comportamentos desafiadores dos alunos e responda às exigências da avaliação de resultados. E, no entanto, apesar de todas estas exigências, estes raramente recebem formação específica sobre como lidar com estes aspectos na sala de aula.
O Instituto Mindfulness iniciou recentemente um projeto na área da Educação que propõe transformar a vida dos professores, das crianças e dos jovens, através do desenvolvimento de programas de aprendizagem sócio-emocional baseados nas práticas de mindfulness.

Como é que aconteceu o mindfulness na tua vida?mindfulness apareceu numa altura em que eu estava a viver um período de elevado stress na minha vida pessoal, adicionado ao desafio de ser mãe e coincidente com o mestrado que estava a fazer na área da psicologia do stress e do bem-estar. Isso levou-me a procurar outras alternativas de promoção do bem-estar, começando sozinha em casa, com o livro Lovingkindness, de Sharon Salzberg.

O que aconteceu a seguir?
Quando senti os benefícios do mindfulness na minha vida, resolvi levá-lo para o meu doutoramento em Psicologia da Educação nas Universidades de Lisboa e Coimbra.

Qual foi o tema do teu doutoramento?
O meu estudo centrou-se na avaliação de um programa de desenvolvimento de competências socioemocionais através das práticas de mindfulness para crianças do primeiro ciclo com idades entre os 8 e os 9 anos. Contactei vários investigadores para saber qual a melhor abordagem para chegar à escola e que programas estavam disponíveis na área da investigação, já estudados e validados nesta área. Fiz uma série de pesquisas e descobri o Mindup, um programa de desenvolvimento de competências socioemocionais através de práticas de mindfulness e que inclui também uma grande dimensão sobre o que a neurociência pode trazer de benéfico para a educação.

Onde se aplica esse programa?
O programa é para ser aplicado em contexto de sala de aula pelos professores. Fui ao EUA na primeira formação de formadores e quando regressei a Portugal vim com outra ideia sobre o doutoramento, que passava primeiro por um programa para desenvolver as competências pessoais dos professores para que posteriormente pudessem aplicar em contexto de sala de aula. Nesse sentido contactei Patrícia Jennings, investigadora norte-americana, que tem um programa de desenvolvimento de competências socioemocionais através das práticas de mindfulness dirigido a professores e chegámos a acordar em fazer um projeto em conjunto; porém, o programa na altura ainda não estava finalizado e a universidade não me deixou prosseguir por se tratar de um projeto muito grande e não haver os recursos necessários. Posto isto e em conjunto com a minha orientadora e com os professores que me apoiaram nos EUA, decidimos que seria mais adequado, face às limitações que tínhamos, avançar com a avaliação do Mindup para professores e alunos. Preparei uma formação de 25 horas para professores e fiz a implementação e o acompanhamento destes professores em contexto de sala de aula.

E foi feito onde?
No primeiro ano fiz um estudo-piloto em Lisboa e na Marinha Grande. No segundo ano foi feito em Lisboa, Cascais e Loures.

Como foram escolhidas as escolas?
Cheguei às escolas através dos contactos que tinha. Colegas que tomaram conhecimento do projeto e acharam que era importante para o seu agrupamento de escolas e através dos departamentos de educação das Câmaras Municipais, nomeadamente as de Cascais e Loures. A participação foi voluntária, os professores fizeram a formação, receberam a acreditação, implementaram o programa e eu fiz o processo de avaliação.

E foi feito durante quanto tempo?
A implementação foi feita durante um ano letivo, trata-se de um programa longo com 15 sessões. Foi feita uma avaliação no segundo ano com um grupo de controlo, permitindo-me comparar com um conjunto de professores que não foram alvo de nenhuma intervenção.

Quantos alunos e professores abrangeram esses estudos?
A amostra do primeiro estudo foi constituída por 329 alunos, com idades compreendidas entre os 8 e os 13 anos, do 3º ano do 1º Ciclo do Ensino Básico, e pelos seus 17 professores, distribuídos por quatro agrupamentos dos concelhos de Lisboa e da Marinha Grande. O grupo de professores foi composto maioritariamente por mulheres (94,1%), com idades compreendidas entre os 30 e os 56 anos, e com uma média de 16 anos de experiência profissional.
No segundo estudo, trabalhei com um universo de 454 alunos com uma idade média de oito anos, sendo o grupo de controlo constituído por 213 crianças com a mesma média etária e por 20 professores, entre os 33 e 55 anos. Todos os professores tinham mais de 10 anos de experiência. Esta intervenção durou 50 horas, sendo 25 horas de formação e as outras 25 horas de implementação na sala de aula.

E no que se refere aos resultados dos estudos?
Genericamente, nos alunos teve efeitos no seu bem-estar. Melhoraram os afetos positivos, diminuíram os afetos negativos e desenvolveram competências de mindfulness.
O programa foi dirigido aos alunos, mas os professores sofreram uma intervenção intensa – achei interessante explorar os efeitos nesta população, que até então nunca tinha sido estudada. A conclusão a que cheguei foi de que ela teve alguns benefícios, nomeadamente no processo de regulação emocional, na satisfação com o seu trabalho e na capacidade de deteção para notar detalhes. Avaliei muitas outras dimensões individuais onde não encontrei resultados significativos, vindo reforçar a ideia inicial de que é necessária uma primeira formação de professores focada em si mesmos, para depois fazer este caminho. É por isso e também pelos avanços que aconteceram nestes seis anos na área da investigação na educação, acompanhando o que está feito em contexto internacional, que o Instituto Mindfulness propõe uma formação para professores.

O que consideras ser necessário para os professores poderem aplicar mindfulness nas salas de aula?

O Instituto Mindfulness criou um programa, com base em estudos anteriores, de 30 horas de formação, sendo as primeiras 25 horas realizadas numa frequência semanal e as últimas cinco numa única sessão, três meses após o final das primeiras 25 horas. Estas sessões de reforço são fundamentais, pois contribuem para a manutenção, a longo prazo, dos resultados da intervenção, conforme dizem as orientações para as práticas de qualidade e eficácia na área da educação e investigação. Na área da educação e nomeadamente do desenvolvimento das competências de mindfulness, é fundamental que isso aconteça. O professor tem mais tempo para desenvolver, assimilar e aprofundar a sua prática. A sessão de cinco horas, é um momento de prática e reflexão sobre o que aconteceu nos meses anteriores e serve ainda de estímulo para continuar.
Após este curso, e já numa segunda fase, os professores poderão frequentar um outro de desenvolvimento de competências de mindfulness e socioemocionais, adaptado à faixa etária dos alunos com que trabalham.

Trata-se, então, de um primeiro curso de mindfulness para professores que tem em conta o trabalho e o indivíduo?
Sim, a sala de aula vai ser um contexto de prática.

Um professor que faça apenas o primeiro curso já adquire competências suficientes para poder implementar alguma coisa na sala de aula?
Na minha opinião, fundamentada naquilo que a investigação tem afirmado, não. O contexto educacional tem características específicas, não é um contexto clínico. É importante termos presentes estas especificidades e irmos ao encontro das necessidades dos professores. Recordo que está diagnosticado que estes estão emocionalmente exaustos. Ora, não estando eles bem como poderão ensinar os seus alunos a ficar bem? Tem também muito a ver com a promoção do bem-estar da classe docente face às adversidades que estamos a viver, para depois passarem isto aos seus alunos. Eles são o modelo adulto para essas crianças.

A seguir ao primeiro curso, o professor tem acesso a um programa de implementação de mindfulness em sala de aula?
Sim. Os programas de formação de mindfulness em sala de aula, serão três: do pré-escolar até o fim do primeiro ciclo; do segundo e terceiro ciclos; e um para o secundário.

Acreditas ser possível uma política nacional de educação que integre o mindfulness?
Acredito que esse momento há-de chegar. Existem outras experiências em Portugal a este nível e é preciso começar a semear por baixo e deixar que os frutos cresçam.


Joana Sampaio de Carvalho é responsável pela área da Educação no Instituto Mindfulness. Interessada na promoção do bem-estar e no desenvolvimento saudável das crianças, dos jovens e dos adultos, trabalhou em diferentes contextos: comunitário, escolar e prevenção do consumo de substâncias psicoativas. Está a finalizar um estudo sobre os efeitos das práticas de mindfulness (através do Programa Mindup) para professores e alunos do 3º ano do 1º ciclo do ensino básico. É consultora e formadora do Programa MindUp, é formadora do Programa Paws b (para crianças dos 7 aos 12 anos) e trainee do Mindfulness Based Stress Program (MBSR) no UC San Diego Center for Mindfulness.

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