O colapso financeiro de 2008, acrescido do aumento das disparidades entre ricos e pobres, tem feito muitos questionarem-se sobre as vantagens da economia de mercado. Será a actual política económica a melhor?
Por Jenara Nerenberg | Alessandro Gottardo (ilustração)
in Greater Good ver artigo original
Segundo Clair Brown, professora de economia da Universidade de Barkeley e diretora do Center for Work, Tecnology and Society, a resposta é não. Especialista em teoria económica e praticante budista, Brown acredita na integração dos valores do budismo na economia, argumentando que se nos focarmos mais no atenuar do sofrimento, na interdependência com as pessoas e a natureza e na sustentabilidade, a economia funcionaria melhor e para mais pessoas. Este pensamento é explorado no livro que acaba de lançar “Buddhist Economics”.
Como caracteriza a ‘economia budista’?
Trata-se de uma economia que assenta em três grandes pressupostos: as pessoas são interdependentes entre si, são interdependentes com a natureza e a felicidade depende da ajuda ao próximo e da redução do sofrimento, porque o sofrimento de um é o sofrimento de todos.
O que mais a motivou a escrever um livro sobre este tema?
Os estudantes preocupam-se imenso com as questões da desigualdade e da sustentabilidade, mas, por alguma razão, ambas aparecem discutidas fora do quadro da economia, o que é muito pouco satisfatório. Os jovens querem algo muito mais integrado e holístico.
Vários economistas têm trabalhado bastante neste problema, mas, também aqui e uma vez mais, a questão continua a colocar-se de forma separada. Em resumo, sabemos imenso sobre desigualdade e sustentabilidade; conhecemos igualmente todas as razões por que o mercado livre não funciona e os seus pressupostos não se sustentam; e, no entanto, é muito difícil encontrar uma forma para integrar tudo isto.
Assim, a questão que me coloquei, enquanto praticante do budismo tibetano, foi: “como é que o Buda ensinaria introdução à economia? Como é que ele faria para englobar tudo?”
Durante a preparação do seu livro, com que investigação se deparou que mais a tenha impressionado?
Comecei com Amartya San, Prémio Nobel da Economia (1998), cujo trabalho analisa as condições de vida das pessoas para avaliar a sua qualidade de vida. Quando ele leu o meu livro, agradeceu-me o facto de eu ter prosseguido a sua linha de trabalho, principalmente porque a questão da sustentabilidade ainda não era, na altura, uma parte muito desenvolvida. Economia ecológica é a razão por que afirmo que humanos e natureza são interdependentes. O nosso bem-estar é interdependente. Na questão do sofrimento humano, virei-me para as Nações Unidas e para o trabalho que esta instituição tem vindo a realizar em desenvolvimento sustentável e necessidades básicas, e no minorar do sofrimento dos que estão sujeitos a pobreza e fome extremas.
E depois vem o fascinante tópico de como os economistas estão em desacordo em relação à natureza humana. O modelo de mercado competitivo assume que somos egoístas, como defendeu Adam Smith (pai do liberalismo económico). Mas investigação mais recente mostra exemplos de como as pessoas podem ser efectivamente altruístas, provas colocadas à disposição dos economistas que não podem mais afirmar de que os humanos são apenas egoístas. E isto constituiu um grande marco (e só mesmo os economistas precisariam de tal prova!)
De que forma contribuiu a economia para o atual panorama político e o que pode ser feito?
Muitos economistas que estudaram a desigualdade preveram que o seu enorme aumento acabaria inevitavelmente por conduzir a um estado de agitação e mal-estar social. Desde os anos 70 que temos assistido ao aumento contínuo das desigualdades. Um facto que está perfeitamente documentado. Assistimos aos efeitos devastadores da iniquidade social – não apenas em relação aos rendimentos, mas também na distribuição da riqueza.
Olho para as populações das cidades economicamente devastadas da chamada “cintura da ferrugem” (região dos EUA que abrange os estados dos Great Lakes e Middle West) e sinto uma enorme compreensão por elas e pelo seu sofrimento. Não possuem trabalho e não têm como cuidar das suas famílias. Têm sofrido tremendamente porque o modo de vida que sempre conheceram – a sua religião e a sua vida comunitária – como que morreram para eles, em grande parte devido à desigualdade. Triste é que, não possuindo um grande lastro histórico, político e económico, tenham sido tomados por alguém como Trump, o qual coloca as culpas nos atuais tratados comerciais e nos imigrantes, coisa que os economistas sobem não ser verdade.
A resposta está na integração do elemento sustentabilidade no combate ao sofrimento. Logo que estivermos prontos a abandonar a ideia de que as pessoas são apenas egoísmo e a assumir uma interdependência com a natureza, então tudo correrá bem. Tudo se harmonizará, o que aliás está perfeitamente de acordo com aquilo que a neurociência tem descoberto sobre o bem-estar das pessoas e como a mente funciona.
Que área da neurociência mais captou a sua atenção?
A investigação mostra que quando vemos imagens de pessoas a ajudar outras, os nossos centros de felicidade no cérebro iluminam-se, ao contrário do que acontece quando as imagens representam comportamentos egoístas ou maldosos. Uma vez mais, verificamos que as pessoas são naturalmente generosas e gentis, mas que a sociedade, de alguma forma, chega e coloca uma nuvem negra sobre a nossa natureza budista de amor gentil. A sociedade manda-nos fazer negócios, ganhar imenso dinheiro, ser competitivos, conquistar poder… só que não é assim que ganhamos felicidade. Mas se a sociedade nos disser que esse é o caminha da felicidade, então entramos num dilema, o qual é causador de dor.
Que mais nos poderia dizer sobre economia e bem-estar?
A relação entre o indivíduo e a estrutura macroeconómica é muito importante. O que digo no “Buddhist Economics” é que cada um deve fazer o melhor que puder: viver de forma consciente, cuidar das pessoas, deixar uma baixa pegada de carbono, e por aí fora… Mas a outra coisa que é absolutamente indispensável é cada um erguer-se todos os dias e sempre que vir uma injustiça a ser praticada – como acontece hoje nas questões da imigração e do recuo dos Estados Unidos dos acordos de Paris – há que vir para a rua e protestar.
É imperativo parar as injustiças contra as pessoas, assim como é imperativo parar os ataques ao nosso planeta. Não podemos simplesmente ficar sentados em casa, satisfeitos em como a vida nos corre bem, porque vivemos num mundo muito mais abrangente. E neste momento temos absolutamente de sair para a rua e obrigar os nossos governantes a políticas que protejam as pessoas e o planeta.
- Tradução para português por Mindmatters