Monge budista é o ‘herói desconhecido’ na luta contra as alterações climáticas
A arquiteta do histórico Acordo de Paris sobre clima credita aos ensinamentos de Thich Nhat Hanh a inspiração necessária na mediação das negociações.
Por Jo Confino in The Huffington Post US | 22 de janeiro de 2016 ver artigo original
Uma das forças mestras por trás do Acordo de Paris sobre clima é um monge zen budista, de 89 anos, o vietnamita Thich Nhat Hanh.
Christiana Figueras, a diplomata que esteve à frente das negociações, atribuiu a Thich Nhat Hanh um papel fundamental ao ajudá-la a desenvolver a força, bom-senso e compaixão necessárias para encontrar este entendimento sem precedentes apoiado por 196 países.
A secretária-executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC, sigla em inglês), afirmou que os ensinamentos de Thay, forma como é conhecido pelos seus centenas de milhar de seguidores por todo o mundo, “caiu-me literalmente no colo” numa altura – há cerca de três anos atrás – em que passava por uma profunda crise pessoal.
A diplomata costa-riquenha revelou que a filosofia budista de Thay – o qual se encontra atualmente a recuperar de um AVC (n.d.t. ocorrido em novembro de 2014) – ajudou -a a lidar com a sua crise pessoal ao mesmo tempo que lhe permitiu manter-se focada nas conversações sobre o clima.
Christiana Figueras disse ter-se dado conta que “tem que haver alguma coisa aqui, caso contrário não vou conseguir lidar com isto e fazer o meu trabalho; e estava muito claro para mim que não havia a menor hipótese de tirar um único dia de folga”, disse ao The Huffington Post, durante a reunião anual do Forum Económico Mundial, que ocorreu esta semana em Davos, na Suíça.
“Tem sido uma maratona ao longo de seis anos sem descanso. Tudo o que eu precisava era de uma âncora e não acredito que tivesse tido a energia interior, o otimismo, o empenho e a inspiração necessários se não tivesse sido acompanhada pelos ensinamentos de Thich Nhat Hanh”, disse.
Mas, afinal, que ensinamentos foram esses?
Christiana Figueras responde através de uma imagem de uma visita que fez ao seu mosteiro em Waldbrol, na Alemanha, local que havia sido um asilo psiquiátrico com 700 pacientes até à chegada do nazismo e o consequente extermínio dos internados para instalar ali um quartel da Juventude Hitleriana.
A diplomata disse que Thay escolheu montar ali o seu mosteiro “porque ele queria provar ser absolutamente possível transformar a dor em amor, passar de vítima a vencedor, transformar o ódio em amor e perdão – e ele estava determinado em demonstrar isso num lugar antes associado a uma tão absoluta e desumana crueldade.”
“A primeira coisa que ele fez foi escrever à comunidade budista a dizer: ‘Quero corações. Quero corações de pano feitos à mão, um por cada um dos pacientes mortos aqui, para começarmos a transformar este edifício, este espaço e esta energia’”, contou Christiana Figueras ao HuffPost.
“É uma história tão forte, não é? E, de alguma forma, é também a viagem em que temos estado envolvidos nas negociações climáticas”, continuou. “É uma viagem que começa com o lançar de culpas uns aos outros até à colaboração atual. É uma viagem que vai desde o sentirmo-nos completamente paralisados, impotentes, expostos aos elementos até nos sentirmos capazes de levar a tarefa a bom porto.
“Para mim, internamente, tem sido de facto uma maravilhosa viagem de cura. Tenho como que vivido em vários níveis diferentes, porque tive que transformar a minha própria crise pessoal. Ainda estou a meio do processo – não vou dizer que já está tudo ultrapassado -, mas tive que fazer isso por mim”, continuou.
“O que eu senti foi que era exatamente este tipo de energia que as negociações sobre a convenção de alterações climáticas necessitavam, totalmente inspiradas por este espantoso ensinamento”, disse.
Quando Thay chegou, pela primeira vez, ao antigo quartel nazi, o qual conta com 400 quartos, escreveu uma carta dirigida aos pacientes mortos, a qual é lida todos os dias no mosteiro pelos monges e freiras que ali vivem.
“Agora a Sangha (comunidade) chegou, a Sangha tomou conhecimento e entendeu o vosso sofrimento e a injustiça que vos foi infligida”, diz a carta. “Aqueles que causaram o vosso sofrimento, também eles sofreram. Não sabiam, na altura, o que estavam a fazer. Por isso, permitam que a compaixão e o perdão nasçam nos vossos corações, para que assim também eles possam ter a possibilidade de se transformar e curar. Apoiem, por favor, a sangha e as (muitas) próximas gerações de praticantes para que possamos transformar os locais de sofrimento em lugares de transformação e cura, não apenas em Waldbrol mas em toda a Alemanha e em todo o mundo.”
Thay, por muitos considerado como o pai do mindfulness no Ocidente tem sido um ativista ambiental há mais de duas décadas, está ligado a outros mosteiros no mundo, tendo criado a ordem monástica com maior crescimento a nível mundial. O monge zen é ainda uma personalidade altamente respeitada pelos mais importantes líderes nos Estados Unidos.
Em setembro de 2013, Thay foi convidado pelo presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim – o seu livro favorito é “O Milagre do Mindfulness”, de Thich Nhat Hahn -, para um evento com os funcionários na sede da organização. O presidente do BM tem o maior apreço pelo monge budista por este ser tão “profundamente apaixonado e compassivo em relação aos que sofrem.”
Também em 2013, Thay visitou Silicon Valley a convite da Google, onde foi solicitado para orientar uma sessão privada de um dia de mindfulness para CEO de quinze das maiores companhias tecnológicas.
Marc Benioff, CEO do gigante tecnológico Salesforce, tem apoiado financeiramente o tratamento e recuperação de Thay após o seu AVC.
Thich Nhat Hanh tem vivido uma vida extraordinária, onde se inclui uma nomeação para o prémio Nobel por Martin Luther King em 1967 pelo seu trabalho na procura de um fim para a guerra do Vietname. Na sua nomeação, Martin Luther King disse: “Pessoalmente, não conheço ninguém mais merecedor [deste prémio] do que este gentil monge do Vietname. As suas ideias em relação à paz, se aplicadas, construiriam um monumento ao ecumenismo, à fraternidade mundial, à humanidade.”