Estudo levanta dúvidas quanto ao milagre ‘mindfulness’
Por Olivia Goldhill | Javier Jaén (ilustração) in Quartz | 24 de abril de 2016 ver artigo original
O mindfulness está em alta. A prática, que envolve focar a atenção de forma consciente e reconhecer pensamentos e emoções, descobriu-se que reduz o stress, melhora as notas académicas, aumenta a compaixão, ajuda a perder peso e fortalece a resiliência. E, acima de tudo, é considerado uma forte opção no tratamento da depressão.
Porém, um estudo publicado este mês na PLoS ONE deverá fazer moderar algum desse entusiasmo à volta dos supostos efeitos miraculosos do mindfulness. Investigadores da McGill University, de Montreal, Canadá, analisaram vários trabalhos publicados sobre o tema e concluíram que, dada a dimensão dos estudos, era estatisticamente improvável que um tão grande número deles tivesse produzido resultados tão positivos. Pequenos estudos podem ser facilmente influenciados pelo acaso, tornando-os demasiado débeis para detetar resultados significativos. E, no entanto, um grande número dos trabalhos publicados analisados pelo estudo da McGill University – muito acima das probabilidades – acabaram por produzir resultados estatisticamente relevantes.
Os cientistas levaram a cabo análises estatísticas sobre 124 estudos publicados e determinaram que, tendo em conta o tamanho da amostragem e respectivo peso estatístico, poder-se-ia esperar que cerca de 68 destes apresentassem resultados positivos. No entanto, 109 testes concluíram pela eficácia da terapia mindfulness.
Os autores classificaram esta percentagem de “preocupante”. E, embora, a análise estatística não seja suficiente para provar de forma definitiva uma tendência, sugere que, pelo número envolvido, pode revelar uma “linha de rumo”.
Os cientistas analisaram igualmente 21 testes antecipadamente registados, o que significa que tanto os objetivos quanto a metodologia planeada para os mesmos já tinha sido publicada antes da pesquisa ter acontecido. Destes testes, nenhum especificava que variáveis seriam usadas para determinar o seu sucesso, e 13 (62%) continuavam sem serem publicados 30 meses após a sua conclusão.
Nada disto implica que as evidências sobre mindfulness sejam falsas, mas mostra sim uma tendência de parcialidade que acabou por criar um efeito distorcido. Tudo indica que enquanto os jornais científicos ficam contentes em publicar estudos que mostrem os efeitos positivos do mindfulness, os trabalhos dos investigadores que não encontram essa “bondade” parecem estar fadados a permanecer na sombra dos arquivos das academias.
Os autores do estudo comentaram ainda que há testes que parecem ser manipulados por forma a esbater resultados negativos. “Quando são anunciados resultados negativos, estes são muitas vezes distorcidos por forma a parecerem ambíguos ou até mesmo positivos”, pode ler-se no estudo.
O mindfulness está longe de ser o único tema sobre o qual a publicação cientificamente tendenciosa cria uma imagem distorcida da investigação. Vários campos científicos têm sido recentemente abanados por múltiplas crises, onde investigadores se viram impedidos de confrontar as suas principais conclusões, sendo esse tipo de publicação considerada, em parte, responsável por isso.
Os autores do artigo da PLoS ONE sobre mindfulness defendem que os jornais científicos deviam comprometer-se em apenas publicar os estudos previamente registados, antes da investigação ter sido realizada, o que impediria a distorção dos resultados publicados. Os estudos deveriam igualmente identificar especificamente que cenários vão ser avaliados antes da recolha dos dados.
Brett Thombs, um dos coautores do estudo e psicólogo na McGill University e no Jewish General Hospital, em Montreal, disse à revista Nature acreditar que o mindfulness ajuda muita gente.
“Não sou contra o mindfulness. Acho é que é preciso haver honestidade e ter evidências totalmente documentadas para que se possa perceber com quem e com quantos funciona”, disse.