Cientistas descobriram quantidades enormes de pequenas partículas de plástico, a cair do ar, numa região montanhosa remota.
National Geographic – Stephen Leahy. Fotografia Robert Brook | GetImages- 24 Abril 2019
Este artigo foi publicado em português no site da NAT GEO
No que parece ser uma região montanhosa imaculada, foram encontrados pedaços minúsculos de plástico a cair do céu – aumentado as preocupações sobre a extensão global da poluição por plástico – fenómeno único agora estudado.
Os cientistas registaram uma taxa diária de 365 partículas microplásticas por metro quadrado, a cair do céu, nas montanhas dos Pirenéus, no sul de França.
“Foi incrível ver a quantidade de microplásticos ali depositados”, disse Deonie Allen, investigadora na Escola de Agricultura e Ciências da Vida, em Toulouse, França. Não existiam fontes óbvias para os microplásticos num raio de 100 quilómetros, disse Allen, a principal autora do estudo, publicado na revista Nature Geoscience.
“O microplástico é um novo poluente atmosférico”, disse Allen.
Os microplásticos são pedaços muito pequenos de lixo plástico. Nos últimos anos, a sua presença nos oceanos e nos cursos de água tem recebido muita atenção por parte da comunicação social e da comunidade científica. Contudo, apenas dois estudos, feitos anteriormente, tentaram observar a presença de microplásticos no ar. Ambos foram realizados em cidades e os seus resultados eram comparáveis, diz Allen. Microplásticos no ar parece algo omnipresente.
“Se usarmos uma luz ultravioleta na rua, definida para um comprimento de onda de 400 nanómetros, e a colocarmos de lado, conseguimos ver todo o tipo de partículas de plástico no ar”, disse. “Dentro de casa é ligeiramente pior. É um bocado assustador.”
Allen e os seus colegas recolheram microplásticos, durante um período de cinco meses, numa estação meteorológica a cerca de 1400 metros acima do nível do mar, usando coletores de deposição atmosférica que parecem funis. Depois, contaram e analisaram os fragmentos de plástico, fibras e películas na parte inferior dos coletores, que tinham menos de 300 mícrons de tamanho. O cabelo humano tem entre 50 a 70 mícrons de diâmetro. A partícula mais pequena visível ao olho humano tem cerca de 40 mícrons.
Mais de metade dos microplásticos encontrados na estação eram fragmentos com um tamanho inferior a 25 mícrons.
Os investigadores estudaram os padrões do vento para tentar descobrir a fonte dos microplásticos recolhidos, mas num raio de 100 quilómetros não conseguiram encontrar nada – numa região com povoações dispersas e sem grandes atividades industriais, comerciais ou agrícolas. Também foi recolhida uma fina poeira laranja, semelhante ao quartzo, disse o coautor do estudo, Steve Allen. Provavelmente era poeira do Saara, já que os estudos anteriores revelaram a presença destas partículas, que têm cerca de 400 mícrons e conseguem viajar milhares de quilómetros. “Mas ninguém sabe a que distância os microplásticos conseguem viajar”, acrescentou.
Os cientistas têm alertado para o facto de estarmos a criar um “planeta de plástico”. Cerca de 420 milhões de toneladas de plástico foram produzidas em 2015, em comparação com pouco mais de 2 milhões de toneladas em 1950. Durante este período de 65 anos, cerca de seis mil milhões de toneladas acabaram em aterros ou em ambientes naturais, estimativas feitas por um estudo de 2017. Resíduos plásticos que começam como garrafas, embalagens e assim por diante, degradam-se ao longo do tempo, transformando-se em partículas de microplástico, ou nanopartículas, muito menores. Um dos estudos estima que existem entre 15 a 51 biliões de partículas microplásticas a flutuar na superfície dos oceanos. Um bilião é um milhão de milhões. Um bilião de segundos são quase 32 mil anos.
IMPACTOS DO MICROPLÁSTICO NA SAÚDE
As pessoas estão expostas a microplásticos através da alimentação e do ar, mas os seus efeitos na saúde são desconhecidos, disse Stephanie Wright, investigadora no Centro de Ambiente e Saúde do King’s College London, no Reino Unido.
“A exposição humana a microplásticos através do ar foi reconhecida há pouco tempo”, disse Wright, que em 2017 escreveu um detalhado artigo de revisão sobre saúde humana e microplásticos.
O que se sabe é que os microplásticos com menos de 25 mícrons conseguem entrar no corpo humano pelo nariz e pela boca, e os que têm menos de 5 mícrons podem acabar nos tecidos pulmonares. “Mas nós sabemos que outros tipos de partículas podem ter impactos na saúde”, disse Wright.
Existem preocupações enormes em relação às partículas finas no ar, formadas pela queima de combustíveis fósseis, incluindo carbono negro ou fuligem. Estas têm sido associadas a vários impactos na saúde, como asma, ataques cardíacos e até perda de memória nas crianças. A maior parte dos países tem padrões de poluição do ar para limitar os volumes de partículas com menos de 10 mícrons, e especialmente aquelas abaixo de 2.5 mícrons, conhecidas como padrões PM 10 e PM 2.5.
Também é conhecido que os microplásticos têm tendência para ser pegajosos e acumulam metais pesados como o mercúrio, e poluentes orgânicos persistentes (POP), incluindo retardadores de fogo bromados e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAP). Esses materiais têm impactos distintos na saúde, disse Wright.
O volume de microplásticos no ambiente irá provavelmente crescer com o aumento da produção de plástico, incluindo tecidos sintéticos, alertam os cientistas. Os plásticos são agora usados em estradas, tijolos, betão, tintas e numa série de outras coisas que nem sempre são óbvias aos olhos do público. No entanto, “existem muitas coisas que não sabemos sobre o efeito dos microplásticos no ambiente”, disse Wright.
E sobre as nanopartículas de plástico sabemos muito menos. Nano quer dizer muito, muito pequeno: A cabeça de um alfinete consegue conter mil milhões de nanopartículas.
NANOPARTÍCULAS
“Ninguém devia ficar surpreendido com a presença de microplásticos por todo o lado”, disse Roman Lehner, da Universidade de Friburgo, na Suíça. As nanopartículas de plástico também estão por todo o lado porque ainda não existe uma tecnologia que as detete, disse Lehner, que está a trabalhar na solução para o problema.
As nanopartículas podem ter propriedades químicas e físicas extremamente diferentes das que se encontram nos mesmos materiais com tamanhos micro ou maiores. Uma das características únicas das nanopartículas de plástico é que, por serem tão pequenas, têm mais átomos na superfície de uma partícula, em comparação com o seu volume. Isso faz com que sejam quimicamente mais reativas. Os riscos potenciais das nanopartículas de plástico, para a saúde humana e para o ambiente, podem ser diferentes dos riscos apresentados pelos microplásticos, disse Lehner, coautor de uma nova revisão sobre este tema.
Estudos laboratoriais já demonstraram alguns dos impactos adversos das nanopartículas de plástico sobre organismos aquáticos. As análises revelaram que as nanopartículas de poliestireno ingeridas pelos organismos aquáticos atravessavam as suas paredes celulares – parecendo alterar o comportamento e as funções endócrinas dos peixes e de outras espécies marinhas. Experiências feitas em laboratório também mostraram que as nanopartículas de plástico atravessam as paredes celulares de amostras de intestinos humanos.
Praticamente, não está a ser feita nenhuma pesquisa sobre as nanopartículas de plástico e sobre os seus impactos na saúde humana e no ambiente, disse Lehner. “Ainda não conhecemos todos os perigos. No entanto, é provável que os impactos ambientais sejam significativos, e a necessidade de mais investigações é urgente.”
Embora sejam necessárias mais investigações, seria prudente usarmos menos plástico, disse Steven. Os plásticos de uso único, como os sacos das compras e as palhinhas, precisam de ser eliminados. O plástico reciclado só atrasa a sua degradação em microplástico, por isso é melhor reduzirmos o consumo de plástico, disse.
E em relação aos bioplásticos e plásticos biodegradáveis? Esses também se transformam em microplásticos que não conseguimos ver, disse Steven.
PLÁSTICOS E CLIMA
As alterações climáticas são mais uma razão para reduzir o consumo de plástico, alerta um novo estudo, publicado recentemente na Nature Climate Change. Quase todos os plásticos são feitos a partir de combustíveis fósseis e essa indústria produziu emissões equivalentes a 1.7 mil milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono em 2015. Com o volume de produção de plástico a duplicar a cada década, até 2050 as emissões de dióxido de carbono podem atingir os 6.5 mil milhões de toneladas, cerca de 15% do orçamento global de carbono.
Se a indústria do plástico fosse um país, seria o quarto maior emissor de dióxido de carbono do mundo, seguida da China, EUA e Índia. No entanto, a aplicação agressiva de energias renováveis, a reciclagem e a biomassa como matéria-prima poderiam manter as emissões, em 2050, aos níveis de 2015, observou o estudo. Posto isto, também haveria quatro vezes mais plástico a ser produzido.