Daniel Goleman & Matthew Lippincott (texto)
Eleonor Shakespeare (ilustração)
O mindfulness tem-se tornado numa moda empresarial, uma prática divulgada em grande escala como se se tratasse de uma “via rápida” para uma melhor liderança. No entanto, suspeitamos que nem todos os benefícios que lhe são atribuídos lhe sejam realmente devidos. A nossa investigação e análise revelaram uma relação complicada entre mindfulness e desempenho executivo.
O mindfulness é um método de mudança do foco de atenção para o nosso interior para a partir de aí observarmos pensamentos, sensações e acções sem interpretações ou julgamentos. Esta prática começa normalmente por colocar o foco na respiração, trazendo-a repetidamente de volta a este ponto sempre que a mente começa a divagar. À medida que o praticante vai fortalecendo a sua capacidade de concentração, passa a ser possível observar simplesmente a experiência interior sem se ser distraído por qualquer acontecimento do dia-a-dia. Os benefícios atribuídos a este tipo de prática vão desde a qualidade de relacionamento com os outros até a uma maior capacidade de liderança.
Veja-se, por exemplo, o caso de Sean, um executivo sénior de uma empresa da “Fortune 100”, que afirma que o mindfulness teve um papel fundamental na transformação da sua carreira. Tendo passado por um sério problema de baixa de produtividade, um efeito, segundo percebeu mais tarde, do tipo de gestão que praticava, com reflexos no rendimento dos seus colaboradores mais directos. Obcecado pelo cumprimento de metas trimestrais, levou o seu pessoal para lá dos limites razoáveis, resultando daí uma equipa totalmente paralisada. Sean chegou a temer ser despedido ou ser obrigado a demitir-se devido a burnout por ansiedade.
E foi precisamente chegado a este ponto que, segundo Sean, foi salvo pelo mindfulness. Após um treino intensivo da prática, passou a ser mais capaz de se controlar perante os problemas, contrariando o seu impulso de centralizar tudo em si. Em vez disso, adoptou um estilo mais solidário, permitindo aos seus colaboradores assumirem mais responsabilidades. À medida que foi gerindo melhor a sua ansiedade, o nível de stress geral foi sendo aliviado. Os seus colaboradores passaram a confiar mais nele e a produzir um trabalho de melhor qualidade. Em vez de se demitir ou de ter sido despedido, Sean acabou por ser promovido.
Sean é um dos 42 executivos séniores de organizações de todo o mundo que praticam mindfulness e sobre quem foi feito um estudo na Universidade da Pensilvânia no qual eu próprio (Matt Lippincott) participei. Todos eles atribuíram à prática uma vasta gama de benefícios:
Mas mindfulness não é magia. Qual terá sido então o mecanismo responsável pelas transformações verificadas neste leque de executivos? Uma pista: vários deles disseram estar a receber comentários positivos por parte de colegas apontando áreas como a empatia, gestão de conflitos e comunicação persuasiva. Exactamente o que eu (Daniel Goleman) descrevi como competências essenciais de inteligência emocional (IE).
Esta ligação à inteligência emocional foi sublinhada nas entrevistas conduzidas por Matthew Lippincott com os participantes do estudo. Em vez de descreverem uma relação directa entre a prática de mindfulness e o seu melhor desempenho profissional, estes gestores falaram antes de uma maior autoconsciência que os terá levado a mudar determinados comportamentos. Comportamentos esses que estão em linha com os que constam do Emotional and Social Competence Inventory (ESCI), uma rubrica estabelecida para avaliar a IE. É precisamente através da melhoria das competências relacionadas com a IE que o mindfulness torna os executivos em melhores líderes.
No caso de Sean, a sua prática de mindfulness tornou-o mais consciente em relação aos seus altos níveis de ansiedade e como isso tinha a tendência para prejudicar o seu discernimento. Sean não só percebeu que se impunha padrões profissionais absurdamente elevados a si próprio, como projectava nos seus colaboradores essas mesmas expectativas irrealistas. Ao tomar consciência dessa sua tendência workaholic, percebeu igualmente que embora isso tivesse contribuído, numa primeira fase, para o seu cargo de chefia, já não estava a funcionar enquanto liderança de uma estratégia empresarial. Uma vez que era praticamente impossível aos seus colaboradores corresponderem aos seus níveis de expectativa (pelo que eram constantemente chamados à atenção) começou a instalar-se na equipa um clima de revolta silenciosa paralisadora de qualquer tipo de progresso. A partir deste entendimento, Sean pôde identificar duas competências a nível pessoal onde tinha necessariamente de melhorar: tomada de consciência e gestão emocional.
Como resultado, Sean reajustou as suas expectativas, passando a procurar a contribuição da sua equipa na definição de metas. Esta mudança de atitude levaram-no a melhorar também em outras áreas de competência emocional: começou a dar mais atenção à opinião dos seus colaboradores (em vez de lhes dizer simplesmente o que fazer), aumentando a sua empatia; e adoptou uma visão mais positiva sobre as suas competências para alcançar metas, passando a vê-los como soluções e não como problemas, o que constituiu um upgrade de atitude positiva. Falando de forma mais aberta sobre os seus próprios receios e vulnerabilidades foi construindo mais confiança à sua volta, servindo de elemento motivador à equipa. Tal como constatámos em investigações anteriores, uma melhoria nestas áreas de competência – consecução de objectivos, gestão de conflitos, empatia, optimismo e inspiração – melhora a liderança em termos de eficácia, sendo que este caso segue esse princípio.
A prática de mindfulness orientou Sean no seu caminho como melhor líder empresarial. Permitiu-lhe, simultaneamente, perceber em que áreas precisava melhorar e obter um autoconhecimento suficiente capaz de o fazer alterar a sua forma de agir. Mas os verdadeiros progressos deram-se no domínio da inteligência emocional.
Acreditamos que, ao se focarem no modismo mindfulness-corporativo, os líderes empresariais correm o risco de perder a oportunidade de desenvolver as suas principais capacidades emocionais. Melhor seria para eles aceder e aprimorar todas as suas capacidades de IE.
Algum desse trabalho poderá envolver não apenas a prática de mindfulness mas igualmente avaliação e coaching formal de IE. Outras abordagens incluem o role-playing (dramatização) e o ensaio mental de como lidar com situações emocionais de forma diferente. Ao perceberem que o mecanismo que está por trás do mindfulness é a melhoria das competências mais alargadas de inteligência emocional, os líderes empresariais vão poder trabalhar de forma mais dirigida as áreas com maior impacto na sua liderança. ●
Sobre os autores:
Daniel Goleman é co-director do Consortium for Research on Emotional Intelligence in Organizations na Rutgers University, é co-autor de Primal Leadership: Leading with Emotional Intelligence e autor de The Brain and Emotional Intelligence: New Insights, Leadership: Selected Writings e A Force For Good: The Dalai Lama’s Vision for Our World. O seu último livro é Altered Traits: Science Reveals How Meditation Changes Your Mind, Brain, and Body.
Matthew Lippincott é investigador, autor e empresário envolvido na criação de novas soluções de desenvolvimento de liderança. É doutorado pela Universidade da Pensilvânia e ocupou posições de liderança em duas das maiores empresas de software do mundo.