Andamos distraídos

Raul C. Gonçalves (edição)
Misha Gordin
(foto)

     Os factos que se seguem ocorreram numa manhã de Inverno de 2007, em Washington. Um homem entrou no átrio da estação de metro Plaza Station e começou a tocar violino. Durante cerca de 45 minutos, tocou seis composições: duas Suítes de Bach e quatro peças de Massenet, Schubert, Ponce e Mendelssohn. Tendo em conta que se tratava de uma hora de ponta, calcula-se que durante esse tempo tenham passado pelo local mais de mil pessoas, na sua maioria a caminho do trabalho.

    Ao fim dos primeiros três minutos, um homem de meia-idade, quase sem refrear o passo, voltou-se ao aperceber-se que havia alguém a tocar música… mas não parou. Um minuto depois, o violinista recebeu o seu primeiro cachet: sem se deter, uma mulher atirou uma moeda de dólar para a caixa aberta do instrumento. Alguns minutos depois, um homem encostou-se à parede para ouvi-lo, mas depois olhou para o relógio e partiu… provavelmente, não podia chegar atrasado ao trabalho.

     Uma criança de três anos quis parar, mas a mãe obrigou-a a continuar a andar. O mesmo, aliás, aconteceu com outras crianças; todos os adultos, sem excepção, nenhum deixou os filhos pararem para assistir. Durante esses 45 minutos, apenas sete pessoas pararam durante algum tempo para assistir. Outras 20 deram dinheiro, mas, sem se deterem, continuaram no seu passo normal. Quando o músico terminou, não houve aplausos, nem qualquer outra manifestação de apreço. Ninguém deu por isso. Ao todo, ele apenas conseguiu recolher 32 dólares.

    Sem que ninguém o tivesse reconhecido, o violinista em causa era Joshua Bell, um dos maiores vultos da música clássica da actualidade. Bell acabara de tocar seis das mais belas e exigentes peças do repertório, utilizando um violino cujo valor está estimado em 3,5 milhões de dólares. Dois dias antes, o mesmo músico havia esgotado a lotação de uma sala de concertos de Boston, onde cada lugar custava, em média, 100 dólares.

    A actuação no átrio da Plaza Station foi organizada pelo jornal Washington Post, tendo sido levada a cabo no âmbito de uma experiência científica sobre percepção, gosto e prioridade. O questão em estudo prendia analisar o seguinte: “Num meio ambiente comum, numa hora pouco propícia, somos capazes de perceber a beleza? De parar para apreciá-la? De reconhecer o talento dentro de um contexto não esperado?” A conclusão mais óbvia a retirar desta experiência pode ser resumida numa pergunta de retórica: se não conseguimos encontrar tempo para ouvir um dos maiores músicos do mundo, a tocar algumas das mais belas peças musicais jamais compostas, num instrumento preciosíssimo, e “à borla”, quantas outras preciosidades andamos a deixar passar todos os dias? ●

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