É suposto que a meditação ajude os miúdos (e não só) a lidar com o stress. Mas a propaganda que se gerou à sua volta poderá estar a exceder as evidências, escreve Brian Resnick, na Vox. Julie Bayer Salzman & Josh Salzman.
Trazer presença
Mindfulness é notar. Notar a respiração. Notar como as emoções se manifestam no corpo. “A essência do mindfulness está na aceitação da experienciação das sensações que se manifestam no corpo, em vez de se tentar fazer com que terminem”, refere Jeff Bostic, pedopsiquiatra da Universidade de Georgetown. “O conceito fundamental partilhado por todas as práticas mindfulness é a consciência da aceitação das sensações e de que é possível compreender aquilo que as despoleta”, disse.
Podemos pensar no mindfulness como um estado da mente, como uma capacidade e uma prática. Remonta aos primeiros ensinamentos do budismo (embora não seja uma prática exclusivamente budista). E exerce uma atracção quase intuitiva num mundo cada vez mais disperso e vertiginoso.
O mindfulness é hoje ensinado em hospitais e em seminários de corporações de Silicon Valley, sendo cada vez mais popular no meio TED (nota: conferências realizadas na Europa, na Ásia e nas Américas pela fundação Sapling, sem fins lucrativos, destinadas à disseminação de ideias). Mais de 14 milhões de pessoas já fizeram o download da app Headspace e dos seus 10 minutos de exercícios de meditação. E existe uma publicação académica, a Mindfulness, dedicada ao seu estudo.
Muito embora exista uma dimensão espiritual, filosófica e cultural presente neste movimento, cientistas em áreas tão diversas como a neurociência e a psiquiatria também têm vindo a ser atraídos por ele. Segundo Jeff Bostic, o mindfulness atenua a evolução das áreas primitivas do cérebro (a amígdala, o tronco cerebral, etc.) responsáveis pelas respostas de luta, fuga ou congelamento, e pela activação do lobo frontal, o nosso centro de raciocínio.
Crê-se que os efeitos do mindfulness tenham um âmbito bastante alargado, que vão da diminuição dos sintomas depressivos e da redução da ansiedade, até ao ajudar a lidar com a dor crónica e o trauma. Existem estudos que afirmam que esta prática faz reduzir os níveis de cortisol, uma hormona ligada ao stress. Estudos de neuroimagiologia mostraram aumentos da densidade da massa encefálica em regiões ligadas às capacidades de aprendizagem e memória (embora não se possa assumir que mais massa encefálica seja sempre sinónimo de melhor desempenho); e alguns estudos no campo comportamental notaram aumentos no processamento de memória e diminuição da divagação mental.
O que já não é tão claro é até que ponto esta prática é efectiva enquanto intervenção, isto é, quanto à sua aplicação para alterar estados de saúde mental ou comportamental.
Movimento de base
Em 1970, Jon Kabat-Zinn, biólogo da Universidade de Massachusetts e praticante do budismo Zen, começou a desenvolver um programa de mindfulness para adultos em contexto clínico. A esse programa deu o nome de Redução de Stress Baseado em Mindfulness (MBSR, sigla em inglês), e desenhou um curso de oito semanas para ensinar a como lidar com a dor e o stress relacionados com doenças crónicas, o qual se mantém muito popular até hoje.
Ao longo dos anos 80 e 90, o mindfulness continuou a crescer como um complemento à medicina convencional e à terapia da dor, começando a penetrar no ensino “de uma forma ad hoc e idiossincrática”, explica Oren J. Sofer, gestor sénior de programação na Mindful Schools, instituição especializada no ensino de mindfulness para professores. Embora ainda não exista uma acreditação formal a nível nacional (EUA) para o ensino de mindfulness nas escolas, ele começa a estar um pouco mais centralizado.
Hoje, são várias as portas de entrada por onde o mindfulness penetra no ensino. Existem organismos regionais sem fins lucrativos, como a Minds Incorporated na área de Washington, que oferece instrução (em alguns casos, gratuita) às escolas locais; existem organizações a nível nacional, como a Mindful Schools que já treinou cerca de 14.000 professores e profissionais que trabalham com jovens (o curso de iniciação custa 125 dólares); e a publicação de literatura específica por editoras como a Scholastic.
Há até mesmo alguns estabelecimentos de ensino que estão o testá-lo como um método alternativo na problemática disciplinar. Numa escola primária de Baltimore, os alunos são mandados para a sala “Momento Mindful”, em alternativa à tradicional “detention room”, onde praticam respiração consciente e yoga (às vezes, só brincam). Responsáveis da escola afirmam que esta experiência ajudou a reduzir o número de suspensões.