O mindfulness é bom para os miúdos?

É suposto que a meditação ajude os miúdos (e não só) a lidar com o stress. Mas a propaganda que se gerou à sua volta poderá estar a exceder as evidências, escreve Brian Resnick, na Vox. Julie Bayer Salzman & Josh Salzman.

Os miúdos parecem adorar. Nas escolas onde está presente, professores e conselhos directivos dão-lhe as boas-vindas. Todos olham para a meditação como um novo e poderoso conhecimento a oferecer aos alunos, não apenas para gerir o stress, mas também como uma habilidade de autocontrolo.

Empresas e fundações, os principais responsáveis pela introdução de programas de mindfulness nas escolas, publicitam os seus benefícios psicológicos, nomeadamente na diminuição do stress e no aumento da atenção, e garantem que tudo está assente em décadas de investigação científica.

Mas, em ciência, qualidade e quantidade não são a mesma coisa. Tendo em consideração que há cada vez mais estabelecimentos de ensino a abraçar o mindfulness, decidi dar uma vista de olhos na investigação publicada. O que diz, efectivamente, a ciência sobre mindfulness para jovens?

Nesse sentido, li mais de uma dúzia de estudos – incluindo meta-análises sistemáticas, as quais se referem a milhares de documentos publicados -, analisando as melhores investigações disponíveis sobre o assunto (tanto em estudantes como em adultos), e falei com investigadores e partidários do mindfulness envolvidos nos trabalhos. E questionei ainda especialistas sobre que dúvidas e preocupações os pais devem apresentar quando ouvem que o mindfulness vai chegar à escola dos seus filhos.

Eis, em linhas gerais, o que consegui apurar: o relativamente escasso número de estudos disponíveis sobre mindfulness no ensino sugere existir um efeito genericamente positivo na diminuição da ansiedade e um aumento do desempenho cognitivo. No entanto, a propaganda à volta do mindfulness parece estar a ultrapassar a ciência, principalmente quando se trata de ensinar esta prática aos miúdos.

 

 

Trazer presença
Mindfulness é notar. Notar a respiração. Notar como as emoções se manifestam no corpo. “A essência do mindfulness está na aceitação da experienciação das sensações que se manifestam no corpo, em vez de se tentar fazer com que terminem”, refere Jeff Bostic, pedopsiquiatra da Universidade de Georgetown. “O conceito fundamental partilhado por todas as práticas mindfulness é a consciência da aceitação das sensações e de que é possível compreender aquilo que as despoleta”, disse.

Podemos pensar no mindfulness como um estado da mente, como uma capacidade e uma prática. Remonta aos primeiros ensinamentos do budismo (embora não seja uma prática exclusivamente budista). E exerce uma atracção quase intuitiva num mundo cada vez mais disperso e vertiginoso.

O mindfulness é hoje ensinado em hospitais e em seminários de corporações de Silicon Valley, sendo cada vez mais popular no meio TED (nota: conferências realizadas na Europa, na Ásia e nas Américas pela fundação Sapling, sem fins lucrativos, destinadas à disseminação de ideias). Mais de 14 milhões de pessoas já fizeram o download da app Headspace e dos seus 10 minutos de exercícios de meditação. E existe uma publicação académica, a Mindfulness, dedicada ao seu estudo.

Muito embora exista uma dimensão espiritual, filosófica e cultural presente neste movimento, cientistas em áreas tão diversas como a neurociência e a psiquiatria também têm vindo a ser atraídos por ele. Segundo Jeff Bostic, o mindfulness atenua a evolução das áreas primitivas do cérebro (a amígdala, o tronco cerebral, etc.) responsáveis pelas respostas de luta, fuga ou congelamento, e pela activação do lobo frontal, o nosso centro de raciocínio.

Crê-se que os efeitos do mindfulness tenham um âmbito bastante alargado, que vão da diminuição dos sintomas depressivos e da redução da ansiedade, até ao ajudar a lidar com a dor crónica e o trauma. Existem estudos que afirmam que esta prática faz reduzir os níveis de cortisol, uma hormona ligada ao stress. Estudos de neuroimagiologia mostraram aumentos da densidade da massa encefálica em regiões ligadas às capacidades de aprendizagem e memória (embora não se possa assumir que mais massa encefálica seja sempre sinónimo de melhor desempenho); e alguns estudos no campo comportamental notaram aumentos no processamento de memória e diminuição da divagação mental.

O que já não é tão claro é até que ponto esta prática é efectiva enquanto intervenção, isto é, quanto à sua aplicação para alterar estados de saúde mental ou comportamental.

Movimento de base
Em 1970, Jon Kabat-Zinn, biólogo da Universidade de Massachusetts e praticante do budismo Zen, começou a desenvolver um programa de mindfulness para adultos em contexto clínico. A esse programa deu o nome de Redução de Stress Baseado em Mindfulness (MBSR, sigla em inglês), e desenhou um curso de oito semanas para ensinar a como lidar com a dor e o stress relacionados com doenças crónicas, o qual se mantém muito popular até hoje.

Ao longo dos anos 80 e 90, o mindfulness continuou a crescer como um complemento à medicina convencional e à terapia da dor, começando a penetrar no ensino “de uma forma ad hoc e idiossincrática”, explica Oren J. Sofer, gestor sénior de programação na Mindful Schools, instituição especializada no ensino de mindfulness para professores. Embora ainda não exista uma acreditação formal a nível nacional (EUA) para o ensino de mindfulness nas escolas, ele começa a estar um pouco mais centralizado.

Hoje, são várias as portas de entrada por onde o mindfulness penetra no ensino. Existem organismos regionais sem fins lucrativos, como a Minds Incorporated na área de Washington, que oferece instrução (em alguns casos, gratuita) às escolas locais; existem organizações a nível nacional, como a Mindful Schools que já treinou cerca de 14.000 professores e profissionais que trabalham com jovens (o curso de iniciação custa 125 dólares); e a publicação de literatura específica por editoras como a Scholastic.

Há até mesmo alguns estabelecimentos de ensino que estão o testá-lo como um método alternativo na problemática disciplinar. Numa escola primária de Baltimore, os alunos são mandados para a sala “Momento Mindful”, em alternativa à tradicional “detention room”, onde praticam respiração consciente e yoga (às vezes, só brincam). Responsáveis da escola afirmam que esta experiência ajudou a reduzir o número de suspensões.


Evidências prometedoras

É indiscutível que o mindfulness tem criado muita excitação à sua volta. “Estamos praticamente a chegar a um ponto onde a sua eficácia é tida como certa”, diz Timothy Caulfield, licenciado em saúde e administração públicas pela Universidade de Alberta, e um céptico em relação à investigação que se tem desenvolvido sobre este tema.

Para se apurar se a formação mindfulness funciona – seja em crianças e adolescentes, seja em adultos – é preciso recuar um pouco e olhar para o somatório da investigação científica disponível. Quando a ciência pretende avaliar uma intervenção, como no caso do mindfulness, as principais questões a colocar são:
●  O tempo (dias ou semanas) de instrução mindfulness conduz a alguma redução do stress psicológico?
●  O mindfulness é mais efectivo do que qualquer outra terapia de redução de stress?●  Funciona em ambiente escolar?
●  Se sim, porquê?
●  A investigação é de alta qualidade, bem controlada e não tendenciosa?

Comecemos, então, pela primeira questão.

Em 2014, a revista científica JAMA Internal Medicine publicou uma análise exaustiva e sistemática sobre estudos de mindfulness que abordavam a mensuração do stress psicológico e do bem-estar. No seu conjunto, estiveram envolvidos 3.500 adultos. A análise incluiu estudos sobre a redução de stress baseada em mindfulness, a meditação transcendental e técnicas baseadas em mantras, tendo os participantes sido monitorizados numa multiplicidade de decorrências (como os resultados apurados nos testes de ansiedade, depressão e stress).

Os resultados mostraram-se genericamente positivos. Os programas acima mencionados mostraram, em relação aos sintomas de ansiedade e depressão, um grau de eficácia “comparável ao expectável do uso de antidepressivos em cuidados primários”, concluiu o estudo.

Porém, ficou um aviso: a análise mostrou que o mindfulness não é mais eficaz do que outras intervenções de bem-estar, como o exercício físico, o relaxamento muscular ou a terapia cognitivo-comportamental.

Enquanto conclusão, trata-se de “um copo meio cheio ou meio vazio”. Por um lado, pode significar que o mindfulness é tão eficaz quanto esses outros tratamentos; por outro, “não mostra ser mágico”, diz Caulfield.

Globalmente e no actual ponto da situação, a quantidade e a qualidade das evidências sobre a prática mindfulness é bastante fraca. Os autores desta meta-análise começaram com uma pilha imensa de estudos com mais de 18.000 citações sobre mindfulness; porém, apenas 47 apresentavam uma metodologia suficientemente consistente para ser incluída no ensaio.

“Os benefícios modestos encontrados no estudo (…) suscita a questão do porque é que, na ausência de fortes evidências cientificamente aprovadas, a meditação, em particular, e as mensurações complementares, em geral, se tornaram tão populares, principalmente junto de uma camada da população instruída e com influência?”, escreveu Allan Goroll, professor de medicina de Harvard, num comentário publicado a acompanhar o artigo da JAMA.

É muito difícil testar mindfulness

Portanto, para se verificar a eficácia da meditação, haveria que comparar indivíduos que receberam instrução durante algumas semanas com outros que a não tiveram, certo? O problema é que não é possível ter um grupo de controlo sem fazer nada. E se o benefício de estar num programa de mindfulness decorresse do facto de se passar algum tempo num cenário de sala de aula? Ou pelo mero prestar atenção a um professor?

Sendo estas variáveis realmente difíceis de controlar, os investigadores tentam fazê-lo através do envolvimento dos grupos de controlo em alguma outra actividade (como programas educacionais, com níveis de tempo e de empenhamento semelhantes); outros estudos usam grupos de controlo activos, onde os participantes fazem exercício físico, recebem massagens ou fazem algum outro tipo de psicoterapia onde esteja presente alguma expectativa de melhoria.

Mas mesmo com todos estes mecanismos de controlo, ainda assim é difícil controlar aquilo que são as expectativas das pessoas. É totalmente diferente de um teste clínico de um fármaco onde os grupos de controlo e experimental recebem um comprimido em tudo semelhante na aparência. Já nos estudos sobre mindfulness, as pessoas sabem à partida em que grupo calharam. Pode acontecer que alguém que foi seleccionado para um grupo mindfulness tenha expectativas de ver acontecer melhorias significativas e, consequentemente, seja mais provável reportar melhoras (a maioria dos estudos assenta em grande parte numa colectânea de dados obtidos através de questionários preenchidos pelos intervenientes).

“Não há nada de mal no efeito placebo, excepto o facto dele não ter normalmente um efeito muito prolongado”, afirma James Coyne, professor emérito de psicologia e psiquiatria na Universidade da Pensilvânia (e um crítico feroz dos métodos de investigação em psicologia).

Enquanto conclusão, trata-se de “um copo meio cheio ou meio vazio”. Por um lado, pode significar que o mindfulness é tão eficaz quanto esses outros tratamentos; por outro, “não mostra ser mágico”.

A literatura sobre mindfulness sofre ainda de outras limitações a nível metodológico. Os estudos variam fortemente de acordo com as variáveis presentes – o artigo publicado na JAMA incluía, por exemplo, estudos com pessoas com problemas de alcoolismo, asmáticas ou que sofriam de um constante zumbido nos ouvidos -, assim como com a dosagem do tratamento (quanto tempo e com que periodicidade os participantes praticam) e com o tipo e qualidade da instrução. Tudo isto torna difícil perceber se os ganhos verificados com um grupo podem ser generalizados a outro. Existem uma série de variáveis em jogo.

Um estudo recente publicado na revista científica PLOS One encontrou evidências de que todo o campo da investigação mindfulness sofria de viés de publicação, ou seja, de uma tendência por parte das publicações científicas para publicarem apenas os trabalhos que contêm resultados positivos, deixando os outros, os que apresentam indícios contraditórios, “na gaveta”.

Os autores do artigo da PLOS One, uma equipa de psicólogos da McGill University, fez uma revisão sistemática da literatura, tendo encontrado 124 estudos randomizados e controlados sobre mindfulness. Destes, 90% apresentavam resultados positivos, um número muito superior ao que seria de esperar tendo em conta o tamanho reduzido da amostra do estudo. (De acordo com os seus cálculos, a percentagem deveria ser próxima dos 65%.)

Os autores analisaram ainda a metodologia empregue nos estudos sobre mindfulness previamente registados. (O pré-registo é visto correntemente como a melhor prática em investigação, limitando a possibilidade dos investigadores distorcerem o desenho para tirar conclusões após a chegada dos dados.) Encontraram 21 ensaios registados, dos quais apenas oito geraram resultados publicados. Isto sugere que muitos dos estudos que continuam não registados, ou que não encontram resultados positivos, são simplesmente esquecidos.

“Não tenho nada contra o mindfulness”, declarou Brett Thombs, um dos autores do estudo, à revista científica Nature. “É preciso haver honestidade e que todas as evidências sejam reportadas para se poder perceber para quem e em que medida ele funciona”, concluiu. (nota: A investigação sobre mindfulness não é a única área da psicologia a sofrer do mal de viés de publicação. Investigadores dos campos das ciências sociais e biomédicas estão no centro de uma revolução que pede por procedimentos mais rigorosos na recolha de dados.)

Benefícios em jovens?
A análise da JAMA apenas cobre a investigação ligada a adultos. Mas o que é que se passa com a investigação envolvendo crianças e adolescentes? Ao longo dos últimos anos, Erica Sibinga, pediatra e co-autora do estudo da JAMA, em conjunto com os seus colegas da Universidade Johns Hopkins, tem conduzido testes controlados sobre a utilização do mindfulness em algumas das escolas públicas mais pobres de Baltimore, as quais teriam muito a ganhar com um programa fiável que reduzisse o stress.

E isto porque o stress crónico resultante de se crescer pobre, coloca o jovem numa situação de desvantagem em termos de bem-estar a longo prazo. Acredita-se que o stress crónico – consequência da pobreza, da violência ou da má nutrição – faz activar sinalizações celulares que tornam o corpo mais propenso a inflamações e menos capaz de combater infecções. Alguns estudos sugerem que os indivíduos que crescem pobres são, mais tarde, mais susceptíveis até a uma mera constipação. O objectivo é “conseguir dar ferramentas aos jovens capaz de reduzir o impacto negativo do trauma de que eles potencialmente sofrem e que tem efeitos a longo prazo”, disse a pediatra.

Erica Sibinga e colegas conduziram recentemente um ensaio clínico randomizado e controlado com 300 miúdos do 8º ano de duas escolas de Baltimore. Durante 12 semanas, metade recebeu aulas de mindfulness, enquanto a outra metade (grupo de controlo) teve educação sanitária. A equipa da Johns Hoppkins esforçou-se ao máximo para nivelar ambas as formações em termos de envolvimento e competências, tentando fazer das aulas de educação sanitária uma abordagem motivadora e empolgante.

Neste ensaio, o mindfulness fez pender o prato da balança para o seu lado. “No caso da depressão, os alunos passaram de preocupantes níveis de borderline para níveis normais”, explicou Sibinga. “Significa isto que todas os miúdos do grupo de intervenção passaram para um nível normal? Não. Mas a maioria passou”. O estudo descobriu melhorias similares ao nível da ansiedade, da agressividade e dos sintomas pós-traumáticos.

Também, neste caso, trata-se apenas de um estudo. Apenas consegui encontrar duas revisões sistemáticas recentes sobre o uso do mindfulness e de outras práticas de meditação no ensino escolar. Tal como acontece no estudo da JAMA com adultos, também aqui são encontrados, de uma forma geral, resultados positivos, mas sem as lacunas metodológicas ao nível da literatura.

Um artigo publicado em 2014 na revista Frontiers in Psychology descobriu, através de 24 estudos (11 dos quais nunca foram publicados em jornais científicos), que o mindfulness fazia melhorar os valores cognitivos a nível do desempenho, mas mostrava menor impacto em relação ao stress e ao coping (enfrentamento).

“Aquilo que nos mostram os dados é que quem mais beneficia, sejam adultos ou jovens, são os que estão em sofrimento”, explica Harald Walach, psicólogo, com formação em medicina alternativa na Alemanha e co-autor do artigo. “Quando partimos de um ponto mais baixo, a partir daí é sempre a subir. Quem tem jovens com verdadeiros problemas emocionais quer ver efeitos mais alargados do que quem tem miúdos ditos ‘normais’, sem problemas na escola e com uma boa retaguarda familiar”, disse.

Uma segunda meta-análise de 2014, publicada na Education Psychological Review, analisou 15 estudos sobre programas de meditação escolar (os quais incluíam meditação transcendental e mindfulness), tendo concluído que “a meditação na escola é benéfica na maioria dos casos”, mas “em grande parte os seus efeitos nos alunos são reduzidos”.

Dado que as sessões de mindfulness são compostas por uma multiplicidade de actividades – concentração na respiração, atenção aos sons, debates em grupo sobre a conexão mente-corpo – fica difícil perceber qual é exactamente o mecanismo envolvido nas alterações positivas e se esse mesmo mecanismo é restrito ao mindfulness.

“O que falta apurar é qual é o verdadeiro contributo da prática mindfulness”, refere Walach. O efeito pode resultar do simples facto de se fazer uma folga da actividade normal escolar, por participar numa actividade de grupo, ou devido à inspiração de um professor. “Ou, então, é necessário tudo isso. Não sabemos, porque isso nunca foi muito bem estudado”, disse.

E esta é uma das maiores críticas que se colocam ao mindfulness: de ser tudo um pouco vago. Mindfulness, um conjunto díspar de actividades de concentração, visando amplas regiões do cérebro e ajudando num variadíssimo leque de situações.

“Pode parecer que ele está um pouco por toda a parte”, admite Sibinga. “Mas pode ser essa a razão de todas as mudanças que se verificam a montante”. Sendo que a montante, a investigadora se refere ao conjunto das alterações sistémicas no cérebro e nos padrões de pensamento. Todas estas interrogações não a afastam da investigação. “Sabemos que o corpo, o cérebro e a mente funcionam em conjunto”, afirma. Só não se sabe exactamente como. “Essa é uma questão que me fascina. Faz-me pensar que é preciso explorar mais”.

Erica Sibinga espera que à medida que mais escolas são convidadas para a prática mindfulness, isso seja extensivo ao seu estudo pela comunidade científica.

O que falta apurar é qual é o verdadeiro contributo da prática mindfulness.

 

Não é para todos
Não há nada que seja para toda a gente. E o mesmo se aplica ao mindfulness.

Embora todas os estudos que pude consultar estejam de acordo de que o mindfulness é, na sua essência, inócuo, a questão que coloquei a Sibinga foi se haveria casos em que um miúdo devesse ser afastado de tais programas. Embora raros, explicou a pediatra, há casos, como a esquizofrenia e outros distúrbios psíquicos, onde ele não é aconselhável. Ser mindful, per si, pode não ser uma vantagem se essa presença não estiver assente na realidade, como acontece nos casos de delusão ou delírio.

Também é contra-indicado em indivíduos que tenham sofrido recentemente um trauma severo. “A sua capacidade para compartimentalizar e isolar o trauma está fortemente relacionado com a faculdade de coping”, disse. O mindfulness pode constituir um convite ao derrubar dessas muralhas mentais demasiado cedo (razão porque é importante a formação mindfulness de alunos e facilitadores, e que estes últimos tenham capacidade para estar atentos a casos de jovens muito vulneráveis).

Os investigadores também se têm debruçado na avaliação de potenciais efeitos negativos. Um estudo de 2015, publicado no Psychological Science, descobriu que 15 minutos de meditação mindfulness fazia os voluntários do ensaio (estudantes universitários) mais susceptíveis à formação de memórias falsas.

No caso deste estudo, foi mostrado ao grupo uma lista onde constavam palavras como “despejo, detrito, resíduo, desperdício, resto e esgoto”. Aqueles que fizeram mindfulness mostraram-se mais susceptíveis a confundir terem lido a palavra “lixo”, a qual embora semelhante às outras, não constava da listagem.

E isto porquê? Os autores do estudo acreditam que ao concentrarmos internamente a nossa atenção sobre os pensamentos durante a meditação ficamos mais propensos a confundir realidade e pressupostos da imaginação. “A meditação mindfulness parece reduzir a avaliação precisa da realidade”, concluíram. (Não é claro o quão significativo possa ser esquecer ou mal interpretar uma palavra de uma lista num contexto de sala de aula. Se os alunos andarem a ‘sonhar’ poderão ter dificuldade em determinar se um pensamento “teve origem num devaneio ou no professor”, disse Brent Wilson, investigador da UC San Diego e coordenador do estudo.)

E, depois, há ainda pessoas que simplesmente não apreciam a introspecção, principalmente quando se trata de emoções negativas. “Não é invulgar acontecer de participantes em intervenções mindfulness reportarem reacções desagradáveis de vária ordem, como agitação, ansiedade, desconforto e confusão durante as práticas formais”, refere um estudo publicado em 2016. (Embora lidar com emoções difíceis seja um aspecto fundamental da psicoterapia e não um defeito.)

Devem todas as escolas ter programas mindfulness?
As provas existentes nesta área são diminutas. No geral, existem indícios que sugerem que o mindfulness tem um efeito positivo em jovens sob intervenção por problemas cognitivos ou de ansiedade. Mas a investigação disponível não é clara sobre quem mais pode beneficiar e porquê (ainda recentemente, um pequeno estudo considerou que o mindfulness é mais efectivo nas mulheres), ou se os efeitos verificados resultam específicamente da sua aprendizagem.

“Há ainda muito a aprender sobre o que estamos a fazer”, diz Tish Jennings, professora de pedagogia na Universidade de Virgínia. Sendo, no geral, favorável ao mindfulness, e tendo-o aplicado a professores como forma de os ajudar a lidar com o stress decorrente da exigência da profissão, chama no entanto a atenção para o muito que ainda se desconhece – por quanto tempo se prolonga o seu efeito? Em que população? Quais são os desenvolvimentos apropriados a miúdos de diferentes faixas etárias? Que tipo de meditação é mais efectiva?

“Ao desenvolvermos estes programas é frequente combinarmos uma série de actividades (meditação), por não estarmos completamente seguros sobre qual é que irá funcionar melhor num determinado caso. E isto porque também desconhecemos se uma pessoa pode tirar mais proveito de um tipo de meditação do que de outro”, conclui Jennings.

O mindfulness é uma abordagem interessante (e experimental) que oferece ao jovem formas de reduzir o stress. Mas não é magia.

“É correcto estar aberto a estas áreas; só temos de ter cuidado em não exagerar os potenciais benefícios que lhe estão associados”, alerta Caulfield. “Será óptimo se algo tão simples como o mindfulness tiver todos esses benefícios extraordinários, mas ainda não chegámos a esse ponto”. Quando se trata de programas que anunciam efeitos benéficos para a saúde mental dos jovens, a fasquia deve ser colocada bem alta.

Oren J. Sofer, gestor sénior do programa da Mindful Schools, discorda do pensamento céptico de ainda ser muito cedo para levar a meditação mindfulness para dentro da escola. “Pode-se alegar que os resultados da investigação estão a ser extrapolados ou que nem todos estão validados, mas dizer que o mindfulness é ‘experimental’ é estar a minimizá-lo”, diz. “É importante investigar esta área, como também é necessário ter bom senso. Temos ou não, enquanto adultos e educadores em sociedade, a responsabilidade de ensinar as nossas crianças a serem conscientes de si? Não precisamos de uma investigação científica para responder a esta questão”.

Ao longo das várias conversas que fui tendo, houve sempre uma questão que se manteve persistentemente presente: é mesmo necessário o crivo científico atestando os seus benefícios psicológicos para que o mindfulness seja útil e de interesse para os alunos? Afinal, não se trata apenas de uma técnica psicológica. É uma filosofia: uma forma de encarar a vida. No caso da sua escola, a professora Rebecca Milner deu-lhe as boas-vindas às suas aulas de filosofia oriental como complemento ao currículo; e uma pequena redução de stress é sempre um plus!

A verdade é que não exigimos às disciplinas de humanidades que realizem ensaios sobre um qualquer efeito placebo ou estudos randomizados e controlados antes dos professores mandarem os jovens ler Hamlet. Escolhe-se Hamlet por ser uma grande obra da literatura, a qual convida o aluno a pensar sobre os personagens, a história e a língua inglesa. Hamlet é ensinado porque é interessante pensar sobre Hamlet. O caso do mindfulness pode ser similar: um conjunto de ferramentas para uma nova e interessante forma de pensar o corpo, a mente e as emoções.

“Se ele fosse apresentado como uma visão do mundo, quase como uma filosofia, ou uma abordagem de relaxamento, seria uma coisa”, contrapõe Caulfield. “Mas o problema é que ele é cada vez mais apresentado como uma intervenção. Se se reivindicam benefícios clínicos específicos, então acho que é necessária investigação científica para suportar tal reivindicação. Ou, então, apresentem-no como algo experimental ou eventualmente benéfico”.

Mas, há ainda uma outra questão: os facilitadores de mindfulness evitam contar aos alunos sobre as raízes religiosas e filosóficas ligadas a estas práticas. E, para isso, apoiam-se na ciência, chamando-a para o seu lado. “Nós lidamos com a questão religiosa ao sermos transparentes e chamando a ciência”, diz Bruce Gill, director-executivo da Minds Inc., uma empresa sem fins lucrativos de Washington e fornecedora de programação mindfulness a escolas. (A bem da verdade, diga-se que a sua página web chama a atenção para o facto de “muita investigação ainda estar por fazer”, realçando que “a maior parte da investigação formal tem sido conduzida em adultos”.)

Devem estas questões que permanecem em aberto impedir ou refrear o prosseguimento da investigação nas escolas? Não, de todo. Se o mindfulness é realmente eficaz na redução do stress em crianças e adolescentes, devemos manter-nos actualizados. É preciso mais investigação de qualidade para se perceber melhor sobre os seus efeitos nos jovens. (Está a decorrer, neste momento, um estudo alargado, randomizado e controlado, em 76 escolas do Reino Unido, envolvendo cerca de 6.000 alunos).

No mínimo, conclui Erica Sibinga “a investigação constitui um reconhecimento sobre a necessidade das crianças encontrarem um equilíbrio ao longo do seu dia académico e de que a noção de ensinar para testes e de preencher os horários apenas com matérias curriculares é uma visão limitada”. Mesmo que o único benefício do mindfulness fosse apenas o de fazer um intervalo à agitação do quotidiano escolar para colocar o foco na respiração, isso já não seria pouco. ●

O que os pais devem querer saber sobre programas mindfulness na escola

Os pais devem ser mindful e fazerem perguntas quando o mindfulness chega à escola dos seus filhos. As questões que se seguem foram-me sugeridas por alguns especialistas:

Vai o mindfulness substituir alguma actividade ou desviar recursos? (no caso da educação física é sabido tratar-se de uma actividade fundamental para o bem-estar físico e psíquico)

Vai o mindfulness “roubar” tempo à ginástica, à matemática ou à leitura?

Qual é o custo do programa? De onde vem a sua dotação orçamental?

Qual é a formação dos facilitadores?

Os facilitadores praticam mindfulness de forma regular? (isto faz toda a diferença em termos de qualidade)

Os facilitadores usam práticas mindfulness cientificamente testadas, como o MBSR?

A prática a ser utilizada é totalmente secular? Vai ser ensinado aos alunos as origens budista das técnicas? (este ponto pode constituir um problema para alguns pais)

Existe algum local calmo e silencioso disponível para a prática? (um ambiente que favoreça a distracção fará com que tudo se torne uma perda de tempo)

O mindfulness vai ser usado para controlar o comportamento ou para reduzir a ansiedade?

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