Neurocientistas e budistas de acordo: “a consciência está em toda a parte”

Novas teorias da neurociência sugerem que a consciência é, tal como a gravidade, uma propriedade intrínseca a tudo. Este desenvolvimento sobre o tema abre um mundo de oportunidades à colaboração entre budistas e neurocientistas.
Por Sam Littlefair Wallace
in Lion’s Roar | 1 de abril de 2016  Ver artigo original
“O âmago da consciência”, refere o neurocientistas Christof Koch, “é o que dá a sensação de se ser alguma coisa. Como é que é possível que um pedaço de matéria como o meu cérebro, possa sentir alguma coisa?”
Em 2013, Christof Koch, um dos mais conceituados especialistas sobre estados de consciência a nível internacional, deslocou-se a um mosteiro na Índia para discutir esta questão com um grupo de monges budistas. Ele e o Dalai Lama debateram neurociência e mente durante um dia inteiro.
Partindo de abordagens distintas – Christof Koch apresentou teorias científicas modernas sobre o tema, enquanto o Dalai Lama contrapôs com antigos ensinamentos budistas – ambos acabaram, no entanto, por concordar em quase todos os pontos.
“O que mais me impressionou foi a sua crença naquilo que nós, no Ocidente, chamamos de pampsiquismo – a convicção de que a consciência está em toda a parte – e de que há que reduzir o sofrimento de todos os seres conscientes”, diz Christof Koch.
O pampsiquismo, a ideia de uma consciência universal, é um pensamento relevante presente em alguns ramos da filosofia da Grécia antiga, do paganismo e do budismo. Até recentemente, vinha sendo largamente desvalorizado pela ciência moderna.
No seu trabalho sobre consciência, Koch colaborou com o pesquisador Giuliu Tononi. Tononi é o pai da teoria da consciência mais aceite atualmente, a chamada Teoria da Informação Integrada (TII), à qual Koch se referiu uma vez como sendo “a única teoria fundamental da consciência que é verdadeiramente promissora.”
A teoria de Toroni defende que a consciência apresenta-se em sistemas físicos que contêm muitas partes diferentes de informação altamente interligadas. Baseado nesta premissa, a consciência pode ser mensurada como uma quantidade teórica, a que os cientistas chamaram de phi.
Giuliu Toroni desenvolveu um teste para medir o phi (a quantidade de consciência) no cérebro humano. É como o tocar de uma campainha; os cientistas enviam um impulso magnético ao cérebro e observam a reverberação do impulso através dos neurónios. Quanto mais prolongada e clara a reverberação, mais elevada é a consciência do sujeito em estudo. Através deste teste, Koch e Tononi são capazes de detetar se um paciente se encontra desperto, a dormir ou anestesiado.
Existe já uma necessidade prática premente para encontrar uma forma de medir a consciência. Médicos e cientistas poderão usar o phi para saber se uma pessoa em estado vegetativo está efetivamente morta, qual o estado de consciência de uma pessoa demente, quando é que o feto desenvolve consciência, qual o grau de percepção dos animais ou, até mesmo, se um computador é capaz de sentir.
“É premente”, afirma Koch. “Estamos a testemunhar o nascimento da inteligência artificial. Poderá uma máquina ser consciente? Poderá sentir alguma coisa? Se sim, então talvez ela venha a adquirir direitos e garantias, o que me vai obrigar a ter obrigações éticas para com ela. Não posso simplesmente desligá-la ou limpar-lhe o disco.”
A TII casa igualmente esta aplicação prática com ideias muito profundas. A teoria diz que qualquer objeto com um phi maior do que zero tem consciência. Isto significa que animais, plantas, células, bactérias e se calhar ate os prótons são seres conscientes.
Koch vê a TII como uma teoria promissora porque esta oferece uma compreensão do pampsiquismo que se encaixa na ciência moderna. Num artigo científico, Koch e Tononi declaram de forma bastante enfática de que a sua teoria “trata a consciência como uma propriedade intrínseca e fundamental da realidade.
A investigação moderna e o recente diálogo entre budistas e cientistas tem-se centrado principalmente na compreensão do cérebro físico. Mas os cientistas ainda mal começaram a desenvolver um entendimento sobre a mente – ou consciência – propriamente dita.
No entanto, da parte do budismo este é um debate que tem vindo a decorrer há milhares de anos. O budismo associa a mente à senciência. O falecido Traleg Kyabgon Rinpoche declarou, uma vez, que enquanto a mente, juntamente com os objetos, é vazia, é porém, ao contrário deles, luminosa. Com sinal semelhante, a TII afirma que a consciência é uma qualidade intrínseca a tudo, porém apenas se revela de forma significativa em determinadas condições – no mesmo sentido como tudo é possuidor de massa, mas apenas objetos maiores possuem gravidade perceptível.
Na sua obra maior, o Shobogenzo, Dogen, fundador do budismo Soto Zen, foi tão longe ao ponto de afirmar: “Tudo é senciente”. Erva, árvores, terra, sol, lua e estrelas, tudo é mente, escreveu Dogen.
Christof Koch, o qual começou a interessar-se pelo budismo durante os seus tempos de faculdade, diz que a sua visão do mundo é coincidente com os ensinamentos budistas sobre o “não eu”, impermanência, ateísmo e pampsiquismo. O seu interesso no budismo, diz ele, representa uma significativa mudança em relação à sua formação católica. Quando ele começou a estudar a consciência – junto do prémio Nobel Francis Crick – Koch acreditava, então, que a única forma de a experienciar seria através da invocação de Deus. No entanto, em vez de se afirmar na religião, Koch e Crick, em conjunto, estabeleceram a consciência como um ramo respeitável da neurociência, chamando professores budistas ao debate.
No Mosteiro de Drepung, o Dalai Lama disse a Christof Koch que Buda ensinou que a senciência está em todos os lugares a vários níveis e que os humanos devem ter compaixão por com todos os seres sencientes. Até aquele momento, Koch ainda não se havia apercebido do peso desta filosofia.
“Fui confrontado com o ensinamento budista de que a senciência está provavelmente em tudo e a vários níveis, e isso inspirou-me a tomar seriamente as devidas consequências desta teoria. Quando, em casa, vejo um inseto, não o mato”, diz.
A Teoria da Informação Integrada mostra-se bastante promissora em relação ao futuro. A partir de mais investigação, Koch e Tononi poderão levar mais longe os seus testes sobre consciência, provando que todos os seres são sencientes. Entretanto, budistas em todo o mundo trabalham permanentemente no sentido do desenvolvimento de uma compreensão sobre a mente. Traleg Rinpoch disse que os métodos analíticos apenas podem chegar até ao entendimento da mente. Ao contrário, diz ele, de um meditador, que através do acalmar da mente e da sua contemplação, pode desenvolver uma compreensão sobre a natureza da mente e como ela se relaciona com tudo o resto.
Críticos da TII argumentam que esta teoria não é capaz de explicar de onde vem a consciência. O jornalista científico John Horgan afirma: “não é possível explicar a consciência dizendo que se trata de informação, porque a informação só existe em relação à consciência.”

Compreender a origem da consciência é uma tarefa tremendamente difícil, mas para a qual Koch está empenhado. Segundo afirma, o seu objetivo final é compreender o universo. Para alguns, a melhor forma de o fazer é olhar para dentro da própria mente. Talvez Christof Koch esteja em vias de descobrir algo.
Tradução de Raul C. Gonçalves

2 pensamentos sobre “Neurocientistas e budistas de acordo: “a consciência está em toda a parte”

  1. Tudo o que é ser vivente é ciente da sua vida. Até a célula mais ínfima se se retrai ao ser ameaçada e assim é com os agrupamentos celulares que todos os seres vivos somos. Chamamos a isto um orgão. A um conjunto de órgãos um corpo. Os seres vivos são colónias de células de complexidade variável. Num organismo há agrupamentos que são essenciais à vida do todo; outros substituídos por próteses mecânicas e agora até por outros e por “enxertia”. Tal como nas árvores…

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  2. Talvez um caminho interessante disse investigar como o olhar do espectador modifica o comportamento dos átomos.

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